segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Supermercado

Fui ao supermercado. Comprei papel higiénico e papel de embrulho.

Ambos coloridos, ambos em rolo, ambos dispensáveis e ambos importantes para mim.

No caminho sorria aos rolos transportados, um na mão e os outros debaixo do braço. Que coisas giras se podiam escrever a partir dos luxos de embrulhar presentes e de ter acesso a saneamento.
A vida talvez seja um pouco isto, limpar os resíduos das necessidades básicas e rasgar embrulhos para descobrir sonhos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Pirilampo

 "O pirilampo é um animal sábio porque usa a escuridão para se iluminar."

Provérbio angolano

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Paulo Leminski

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Respostas do coração

Fui comprar uma sapateira para um jantar especial e encontrei uma pessoa que não via há vários anos, perguntei-lhe pela vida, pelos filhos, pela mulher e a esta última pergunta ele respondeu, "está cada vez mais bonita". Tocou-me esta resposta rápida e espontânea dada pelos olhos do amor. 
Nos últimos tempos estes testemunhos de amor têm aparecido muito nos meus dias, ganham forma nas pessoas que encontro, ganham forma em podcast que ouço, em histórias que leio. 
Sorrio para todos eles e agradeço a partilha e a esperança que respiramos juntos.
O desejo de amor é comum em todos nós, ter a capacidade de o ver, acolher e cantar também tem de ser comum. 
É por isso que a poesia existe e a canções de amor fazem sentido... O resto é a vida com tudo o que ela tem. 

terça-feira, 13 de julho de 2021

Dez quilos de tempo e unhas de gel.

Ano: c. 1636-1638 Técnica: óleo sobre tela Dimensões: 221 x 181 cm Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha
As Três Graças, Peter Paul Rubens 
1636-1638, óleo sobre tela, 221 x 181 cm
Museu do Prado, Madrid, Espanha
Era cedo e eu acordei a pensar no tempo, não no sol que me entrava pela janela depois de uma noite de chuva, mas no tempo que normalmente se mede com ponteiros movidos a rodas dentadas ou mecanismos complexos,  ainda que, mais simples que esta manhã silenciosa na qual me recusáva a ver as horas.

Podemos medir o tempo de tantas formas, gosto quando o medimos em primaveras pelos aniversários. Nas margens do Geba há quem tenha o tempo de uma árvore, fazendo ecoar a confidência: sou tão velho como aquele pé de mango. Emociona-me esta poesia que mostra que há vidas que dão abrigo a pássaros e morcegos, dão frutos que alimentam os da casa, mas também os desconhecidos que se aproximam na estação certa.  
Há medidas menos bucólicas como o crescimento das unhas de gel ou da raiz de brilhantes melenas alvas em cabelos pintados de cor garrida. O crescimento dos cabelos e das unhas depende de cada um, fazendo prova desta entidade subjetiva e orgânica que tentamos todos os dias cronometrar. 
Também meço a tempo pelo tamanho das crianças, por exemplo a minha primeira separação tem a robustez, a força e a esperança do meu sobrinho mais velho, a minha segunda separação tem a leveza, a perspicácia e a irreverência da minha sobrinha mais nova. 
Também medimos o tempo em pesos acumulados e armações de óculos. 
Nos dias em que me sinto dez quilos mais velha, olho para as figuras de Tintoretto ou de Rubens e desejo viver nas suas salas no Prado e não ser mais exposta a desfiles de moda ou anúncios de revistas, afinal para o tempo também são precisas referências, inventando um ritmo que se adapta e acolhe novas formas.  
Medimos o tempo pelos alertas do Facebook ou pelos lembretes do Google... Nos dias em que recebo uma memória "neste dia há quatro anos", olho para a imagem e na maior parte das vezes não reconheço o calendário, tanto pode ser por excesso como defeito. Quando me liga uma amiga com quem não falo há meses e ficamos duas horas em whatsapp que partilha conversas e afazeres, parece que a última vez que falámos foi no dia anterior. E há pessoas com quem tivemos tanto contacto e ainda assim quando se aproximam parecem alienígenas desconhecidos.  
Sim, é clichê falar do tempo, mas em que outro texto eu poderia escrever unhas de gel sem falar de caixas de supermercado ou estética de jogadores da bola? Sou eu a tentar ter graça :-)

terça-feira, 25 de maio de 2021

Dia de África

Ontem falaram-me de um país sem sonhos. Falar de um país sem sonhos é falar de um país sem esperança. Tanto a esperança como os sonhos são construções humanas (tal como os países) e precisam de chão para ganhar alicerces. H
oje é dia de um continente tantas vezes confundido com um país, um continente onde dizem que nasceu a humanidade e onde ainda nascem países. Nos poucos países que conheci nesta imensidão, vivi sempre inteira, consciente umas vezes do meu privilégio, outras da minha vulnerabilidade. Não vou falar do calor, da terra molhada nem do cheio a chuva que são clichés de um romantismo novélico que compõe um cenário verdadeiro...

Falo antes da consciência da diferença e do sentido de identidade que me revistiu, a mim, que nasci à sombra do Namuli, na terra do chá a caminho do Índico.
Detenho-me na grandeza dos espaços selvagens e dos espaços edificados pelos sonhos. O pior que pode acontecer aos sonhos é serem habitados pela indiferença e pela falta de afetos. Os espaços selvagens não precisam disso.
Quanto mais conheço África mais sou do mundo e quanto mais sou do mundo mais o vejo cheio de misturas e ligações, desde o meu ponto de vista de uma mulher branca, portuguesa e com ilusões de liberdade.
Um mundo em que os contextos determinam comportamentos, hábitos e características, e isso potencia a diferença, o espanto, o encontro, a partilha e a aprendizagem de nós próprios e dos outros, ou de nós próprios nos outros. A irmandade.
"Ubuntu" e "corzon" são talvez as duas palavras que mais gosto nesta África que habito e que me habita desde sempre.
Feliz Dia de África para todos, em "união africana" que vai para lá de um continente.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Sem título

É mudo o silêncio de onde me falas.

Em tempos comunicámos no inaudível, agora nem com altifalantes nos conseguimos ouvir. Mas para lá da audição está o entendimento. Para lá dos sentidos está o coração.

Quando o verbo se torna estéril perdemos toda a esperança de criação.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Saltinho

Estava perto da nascente do rio, subira até lá à procura das alturas e das águas frescas.

O jantar foi canja de pombo caçado na manhã daquele dia. A panela, onde boiavam bolinhas pequeninas de massa, deu sentido ao desporto que a incoerência de comer carne não percebe.
A meio da refeição o gerador falhou e o resto da noite foi iluminada por pequenas lanternas que os caçadores traziam consigo.
Quando chegou ao quarto acendeu a vela para lavar os dentes e encontrar no espelho o sorriso de um dia passado dentro de água. Imaginou-se filha de Egbá ou de Yemajá, gerada nos buracos das rochas daquele lugar, parida para a vida naqueles rápidos que hão-de chegar à imensidão do mar. Expulsa pela força da gravidade e pela urgência de se fazer grande.
Calhou-lhe em sorte um colchão de molas que ela sentia na pele com tanto vigor que dáva para questionar se alguma vez teria havido fibra a proteger do corpo o metal. Talvez uma cama de pregos fosse mais dura e lisa, mas esta servia para a fazer acreditar que podia ser filha de um mestre faquir a viver na Índia em vez de na África Ocidental.
Sem eletricidade e sem ar condicionado a noite parecia ainda mais escura e quente do que era na realidade.
Depois de certificar que as janelas estavam abertas e protegidas por rede deitou a cabeça na almofada macia que ampliava o contraste da irregularidade do leito.
Pensou nas avaliações relativas da vida, na forma como as comparações dependem dos objetos comparados, de como as circunstâncias condicionam o indivíduo, de como a moralidade serve para controlar um grupo dando-lhe pertença e sentido. Pensou em como o mérito parece ter sido uma invenção de sociedades que se preocupam mais com o poder e com o dinheiro que com a justiça. Buscáva uma definição de fecundidade no chão e não na filosofia... Assim não a encontraria.
Não foi por mérito que nasceu mulher num país de escolaridade obrigatória, onde pensa que pôde fazer escolhas. Não foi por mérito que cresceu numa família que lhe acolheu os sonhos de voar e amparou as quedas.
Não foi por mérito que perdeu um amor que não lhe servia, como não foi por mérito que encontrou outro amor, na medida certa do tempo e espaço em que se tornara. Em breve estariam juntos e era, com essa ideia, que se tapava naquela noite. Afinal não precisava de muita coisa para se sentir confortável e não havia nada no futuro que lhe metesse medo.

Saltinho, Rio Corubal na Guiné-Bissau Maio 2021


quarta-feira, 5 de maio de 2021

Carta


Hoje recebi uma carta envaida há 4 anos e 4 meses. Dentro chegou um postal de Natal que fala de amor e do Amor. Um gesto de amizade e generosidade que me emocionou muito. Se somarmos os dois algarismos das unidades de tempo que compoêm a distância que separa a escrita da recepção, damos de cara com o número oito e se deitarmos esse oito veremos nele o infinito. Esse também é um simbolo do Amor. Este intervalo a vida fez-se surpresa em tantas coisas, tantos riscos, tantas perdas e ganhos, num saldo claramente positivo. Tantos desafios aceites, tantos caminhos percorridos, tantos motivos para agradecer. Uma carta que chega passado este tempo todo é mote para pesar o tempo na balança das palavras trazendo à memória as reconstruções sucessivas do edificio que sou. 

Desde 2016 eu a Andreia mudámos de morada, juntámos e serpámos sonhos, amanheceram coisas novas em nós e connosco e neste devir não perdemos a ligação ao mais importante, àquilo que invocamos em unissono independentemente da distânia. É isto o Amor. Obrigada amiga.

Há quatro anos eu não podia imaginar-me "ainda" aqui e neste intervalo de infinito já me imaginei em tantos sitios, alguns chegaram mesmo a ser pisados, experimentados... Para dizer a verdade não sei quanto tempo estará contido neste "oito deitado", houve dias que pareceram segundos e segundos que se assemelharam a anos. É curvo e contorcido este tempo, grafado numa linearidade enleada, alternado entre novelo e meada, meada e novelo... 

Gosto de imaginar que se esta carta me encontrou aqui, e no dia em que me encontrou, confirma o tempo e o espaço que estou a viver. 

Que outras cartas já foram escritas e esperam para serem encontradas noutras moradas? 

Seguimos juntas!

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Urgências

Com o passar da semana o desejo de que se mostre o por do sol de sexta-feira cresce na proporção inversa do tempo que lhe falta. No inicio do mês, o desejo de que chegue ao fim veste-se da mesma densidade. Em janeiro programo março, setembro e dezembro com a mesma ilusão de um cego que faz um desenho em tela desconhecida.

Vivo uma especie de pressa da vida independente do lugar ou da forma. Na urgêndia que o tempo passe identifico a ânsia de ser velha. Ao escrever surpreendo-me com as semelhanças fonéticas das palavras ânsia e anciã. Talvez eu já seja mesmo muito velha e apenas deseje chegar ao lugar a que pertenço. Talvez esta sede seja apenas a vontade de me encontrar. Nessa altura poderei descansar do desejo que os dias passem, terei alcançado a calma de viver e entrado no ritmo confortável da espera. Sem pressas. Sem expetativas. 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Brindemos

Ontem esperei por ti, mas não vieste.

Hoje voltei a pentear o cabelo, vesti a roupa de casa e sorri para o espelho ao colocar o perfume. Tirei só um copo, coloquei gelo, limão e o zimbro que trago na mala a cada viagem. O zimbro faz bem aos rins, sabias? Abri uma garrafa de gin de uma microdestilaria hipster da moda noutro continente.

Sentei-me no sofá sem pressa. Ouvi os carros a passar na rua, a cidade a acalmar no fim de um dia de semana em tempo de ramadão. Os pássaros também se preparam para a refeição que nutrirá a noite. As luzes vão diminuindo ao mesmo ritmo do barulho resultante da presença humana. Outros sons se mostram ao dourar da hora. O jejum leva as pessoas mais cedo para casa, o ritual de o quebrar é vivido em conjunto e desejado por todos.
Para mim não é, nem ramadão nem quaresma, e também eu quebro o meu jejum desta maneira, à minha maneira. Sem pressas... E acompanhada. Afinal vieste, ou sempre estiveste aqui, ontem é que não te vi. Brindemos.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Coração

Conheci um rapaz que transporta regularmente corações para transplante. Admiro-lhe o trabalho e entusiasmo-me com a urgência de cada missão.

Contou-me ele, que o tempo máximo que um coração consegue manter-se vivo fora de um corpo é de apenas 4 horas. Não foi a escassez do tempo que me surpreendeu, por oposição o que me surpreende é a quantidade de tempo que algumas pessoas conseguem viver com o um coração morto dentro delas. 

Talvez tenhamos todos a profissão deste rapaz e não saibamos deste nosso oficio, por isso se perdem tantos corações em corpos vivos. 


quinta-feira, 11 de março de 2021

Insólitos

Em plena Lisboa confinada, passo na rua por um desconhecido que transporta um ramo de flores. Chama-me a atenção a composição. Um ramo de uma paleta tão delicada e feliz. A partir da sua beleza imagino o destinatário, a festa e a alegria, vivendo-a desde já como se fosse eu a destinatária deste ninho de cor.

Mais à noite no Facebook depois de algum tempo de scroll, vejo no meu mural a publicação de uma amiga em que aparece uma fotografia onde uma mulher, com aquele ramo nas mãos, celebra a vida e os sonhos. Sem saber, o aniversário desta desconhecida permitiu-me sorrir e sonhar, duas vezes hoje.
Parabéns à vida e às suas surpreendentes sincronicidades.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Árvores

Hoje comprei árvores. Comprei árvores a pensar num espaço concreto e num bosque especifico. Escolhi espécie a espécie pelas características e pelo simbolismo. São árvores de grande porte, de crescimento lento e características diferentes ao longo do ano. 

Aprendi o que quer dizer marcescente e sonhei com um horizonte colorido e ritmado pelo tempo. Comprar árvores é ligarmo-nos aos espaços onde as vamos colocar, plantando-nos nele tal como elas. 

O desejo é de natureza estendida em altura, só possível com raízes fortes capazes de desbravar caminho até às profundezas. Que cresçam as copas, que se lancem, aventureiros, os ramos às alturas. Que a sombra nos alivie os dias de sol escaldante. Que os troncos possam sustentar abraços e camas de rede. Que como os pássaros, nós, encontremos abrigo nelas e ali perto possamos fazer ninhos a todas as primaveras. 

Sonhar um bosque é uma coisa bonita... É provável que nada fique como imagino... Não há uma árvore igual, não saberei dizer quantas ganharam efetivamente profundidade e espessura. Talvez me surpreenda com o resultado até porque me abro à liberdade de não controlar o processo. Não é um trabalho de arquitetura paisagística é o trabalho de uma amadora a querer pincelar com cores o horizonte. Há uma intencionalidade clara, que é esconder à vista, (de quem habita uma casa antiga), o edificado descaracterizado que polui o espaço rural de um interior ostracizado, que há muito se esqueceu o que é belo. Há uma intencionalidade que é a de devolver ao espaço exterior o conforto para uma conversa ou uma leitura em recantos bonitos, pretextos de encontros, de jogos, de refeições ou de segredos... Fazer do bosque a sala de convívio de uma habitação pequena. Ou dele, a pintura colorida que se vê de uma janela ao entardecer. 

Dentro de casa pode ser visto emoldurado por janelas nos curtos dias de inverno em que os ramos de folhas caducas deixam passar a luz dos dias enevoados. Habitado por gente nas estações quentes e confortáveis onde as folhas são abrigo e colorido dos dias grandes ou da cacimba das noites húmidas. Assim sonho o meu bosque daqui a vinte anos, por isso é que comprar árvores é um compromisso com o futuro, uma aliança renovada a cada anel dos troncos que nos escolheram por amor. Nessa altura conto-vos como estará.





"Marcescente" - Que murcha ou seca sem cair logo (ex.: folhas marcescentes).

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Acordar

Já vos aconteceu acordarem e não saberem por brevíssimos instantes onde estão, que horas são... Viver aquele sensação fugaz de ter o cérebro desligado e ter de esperar frações de segundos para nos localizarmos no espaço tempo da nossa existência.

Hoje foi um desses dias. Acordei com o som do "amola tesouras", saltei da cama e fui espreitar. O som encantado puxava-me para a rua e para um tempo que ainda não tinha acertado no meu relógio. Abri a janela para que o som entrasse em mim e para que, nele, me encontrasse ao acordar. Respirei, abri os olhos e vi aparecer de trás do prédio, num ritmo sereno, o amolador, apoiado na sua bicicleta. Foquei-lhe a cara, admirei-lhe a flauta... E acordei quando lhe vi a máscara cirúrgica no queixo. Situada, voltei para a cama e desejei adormecer de novo e sonhar com o tempo que há-de vir.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

(r/d)esistir

Muito se tem falado de polarização e muito se escreve sobre o mal que faz, os extremismos que alimenta ou o diálogo que inviabiliza. Este perigo, vivemo-lo na política e também o vivemos na vida. Há dias em que parece que só há dois lados possíveis, resistir ou desistir. 

Como eu gosto do exagero burguês de existir nos "meios"...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Ele/Ela

São amigos há muitos anos, fazem viagens juntos, partilham o vinho, a água e também o leite azedo da vida! A alegria, o não fazer nada e os momentos mais amargos são vividos com a mesma presença, entrega e apoio. Claro que são os momentos mais felizes que eles gostam de partilhar e quando seguem os dois para uma festa ou lugar em que ele a leva como convidada é muito comum ela ouvir a quem os tenta apresentar ou enquadrar: é a mulher dele.
É uma atitude recorrente que ela questiona com o olhar ou um certo desajuste de corpo para não contradizer quem gloriosamente se apresenta publicamente mal informado. Também não é grave, contudo, porque é que uma mulher não pode vir com um homem a estes sítios como amiga? Seja uma festa de bairro ou um batizado, parece que o estado emparelhado é o único possível.

Ele ri e diz-lhe: Podia ter-te calhado pior!
Ela responde sorrindo: A ti, não te podia calhar melhor!

E os dois riem porque sabem muito bem que a segurança de ambos é oposta à ironia, não responderiam assim a nenhuma outra pessoa em contexto similar. Ela mostra-lhe uma força que não tem e ele uma insegurança que não vive.
Sabem que nunca serão mais que amigos, porque amigos já é o mais de tudo. Serem amigos é mais que irmãos e mais que amantes. Chegaram ao todo da relação e percebem pelos olhares dos outros que isso é mais raro do que parece e que talvez não seja para quaisquer dois.

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...