quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Direitos...

Trabalho em comunicação para a área da Proteção da Criança num país que ocupa o lugar 177 em 188 países no Relatório Mundial sobre Desenvolvimento Humano de 2016.  
A Guiné-Bissau não chega a ter 2 milhões e habitantes mas tem certamente mais problemas que esses.
Este ano, e já estamos no Natal, as escolas ainda não abriram por paralisação dos professores. Apenas as escolas que não dependem do estado funcionam. 
É possível que as passagens administrativas tenham começado, no princípio deste século, quando Kumba Yalá ordenou que "se passem os alunos e se chumbem os professores", mas a verdade é que não me lembro de um ano escolar sem as paralisações que comprometem, há décadas, a aprendizagem e a progressão dos alunos, condicionando, claro está, aqueles que serão os futuros professores. 
Ontem falava com o Maurício, o guarda nocturno da casa onde vivo, tem três filhos a crescer em Ziguinchor, uma cidade senegalesa próxima da Guiné-Bissau (a mais de 4 horas de carro). E porque estão lá os meninos? Porque lá, há escolas e podem viver com a irmã dele. Falam wolof, aprendem francês e talvez não voltem a Bissau penso eu enquanto o vejo sorrir porque vêm cá passar o Natal.
Claro que a parentalidade é vivida de forma diferente aqui... O filho não é o absoluto que vivemos na Europa, já ser mãe tem um peso para a feminilidade que não reconheço na minha geografia... Há muito mais tias que em Cascais mas garanto-vos que a postura é bem diferente. Este é um processo de socialização e adaptação diferente do meu referencial e sabendo que (o meu), não é o "único" ou o "certo", questiono-me como reagir quando num Centro de Saúde quando mais do que uma mãe se queixa do pai não assumir o filho. "Os homens só querem saber de fazer, não querem saber de mais nada"... Quero acreditar que não será universal esta postura masculina mas é representativa de um tipo de matchundade, porque várias mulheres a verbalizam.
O Maurício diz que tem saudades dos seus gémeos machos e da filha fêmea e eu partilho com ele as saudades dos meus sobrinhos, da pequena Valentina e do energético Salvador, digo-lhe que eles crescem muito rápido. Num português que não domina, assegura-me, com firmeza e doçura que os brancos crescem mais depressa que os pretos. Não quero argumentar sobre formulações que me causam desconforto e calo-me perante a sua convicção. 
Nestes momentos de conversa informal, seja no Centro de Saúde, seja à porta de casa, o que sei é que trabalhar pelos "direitos" das crianças, das mulheres e dos homens é relevante em qualquer parte do mundo. Como tornar esse trabalho, ele próprio, relevante e ajustado é o grande desafio. Ouvir é um passo de gigante que exercito todos os dias. Já era tempo de vivermos todos num mundo que "cresce" ao mesmo ritmo, não vos parece?

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Filme mudo...

Po di sangui é um filme lindíssimo. Vi a primeira vez o filme dobrado em francês sem legendas. Rápido me dei conta que não ir perceber nada daqueles diálogos nem apanhar a complexidade daquela poesia. Não percebi nada de facto.
Pensei que mudaria de filme uns minutos depois mas, surpreendentemente, mantive-me presa à imagem. Um filme belo, com planos lindíssimos que agarram pela qualidade cromática, pelo rigor estético, pelo ritmo e pela beleza cuidada. Uma narrativa feita de imagem e de movimento. Dei por mim a ver um filme "mudo" deliciada com os planos e com as cores. O cinema literalmente como tela.
Realizado por Flora Gomes em 1996, Po di sangui é uma ficção que mostra uma Guiné-Bissau que não existe, transporta-nos antes para um lugar que existe no interior de nós que respiramos este tchon. As cabaças, os panos, as tabancas, as pessoas, os rios, e principalmente as árvores... Um sítio em que por cada pessoa nascida se planta uma árvore, uma árvore gémea de humanos que a eles dá conselho. Um "país" antes dos cajueiros, onde as mulheres se podem apaixonar pelo sol, onde há casamentos por herança e onde os velhos balobeiros não aparecem nas fotografias. Vemos para lá da matéria e ao mesmo tempo cruzamo-nos com almas visíveis como visível é o sangue das árvores que choram a sorte dos seus irmãos humanos.
Visitar esta Guiné é visitar um espaço que existe para lá do constrangimento físico. Ainda assim feito a partir da fisicalidade do trabalho de barro, do cozer dos "pote", do lavar da roupa ou dos caminhos no deserto que nos levam à terra prometida e, no caso do filme, nos levam também à fecundidade e ao colhimento de uma nova vida. Vale a pena ver este filme da mesma forma que vale a pena ver um pôr do sol! Não são precisas palavras, só é preciso estar. 

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...