sexta-feira, 13 de setembro de 2019

De piano a fortissimo, em V...

O espectáculo que Mónica Calle apresentou ontem no Lux foi para mim a materialização da insistência. Insistência não será sinónimo de ostinato?
Um bando de mulheres voando sobre o Tejo na certeza que em bando se atravessam continentes. São mulheres instrumento, são mulheres corpo, mulheres ritmo, mulheres horizonte, num plural que não lhes tira singularidade.
São os gestos repetidos que tiram da uva o sumo que depois de incubar será vinho.
Ver Ensaio para uma Cartografia com o Tejo de fundo, com a lua cheia, os barcos a deslizar nas águas, os aviões a seguirem para sul, os comboios a travarem na estação, é uma experiência para os sentidos. Não é preciso cenografia, porque o mundo, tal como a vida, no-la oferece generoso e realista.
É preciso afinar, é preciso que os metais, as madeiras, as cordas, cheguem à nota e ao tempo... E a verdade é que não se consegue fazer isso sem maestro como não se consegue voar em V sem aquele que guia.
Sozinhos é um esforço imenso, é a descoordenação, um ir para trás e para a frente sem destino.
A Mónica falou da unidade, da cooperação, da presença, do esforço, da sintonia. Falou de estereótipos e do essencial. 

Vi, naquele espaço a minha nova caixa de lápis a dançar, os lápis cor de pele que a Brum trouxe de presente, dançaram à minha frente, só faltava um... Talvez esse um fosse eu, fosse cada um dos espectadores que individualmente completaria a caixa de doze.
A dúzia, o bando... Seremos dúzias de lápis encaixados que deixamos marcas de pele quando nós é permitido riscar. Só assim nos cumprimos e ao cumprir "desfazemos"... Só arredondando a ponta em sucessivos "afiamentos ou afinamentos" podemos fazer parte de um desenho maior.
Foi tão bom ir com uma amiga, que os espectáculos da Mónica me ofereceram, foi tão bom rever uma amiga antiga, que passados longínquos não apagaram. Este é o meu sentido de bando. Um sentido paradoxalmente diferente do dos pássaros e até das orquestras, porque neste caso não há tempo nem espaço... Voamos juntos de outra maneira. 
Também eu já experimentei participar em ensaios de orquestra, desejei dançar em pontas e aprendi que só despida me é possível o acesso ao essencial, afinal a arte só nos lembra o que já conhecemos... 
Este ensaio lembrou-me isso tudo e o gosto que tenho por mapas, globos e pela representação da imensidão... Obrigada Mónica pela generosidade da reflexão, obrigada mulheres pela generosidade da partilha, em especial, Maria João pela presença, Silvia pelo ritmo, Brum pelas cores... 



Ler: https://agatachristie.blogs.sapo.pt/tentar-falhar-superar-451884
...e rir porque de facto voamos em bando :-D

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Diversidade...

Crescemos com a ideia de que Espanha se define com um barulhento OLÉ, ao som do flamengo, vistosas sevilhanas,  garridas (sangrentas) touradas... Quando muito para os que fazem o Caminho de Santiago existe um território à parte e um povo irmão que são os Galegos. Uma ideia redutora para um país com 17 comunidades autónomas (mais duas cidades autónomas) e uma diversidade surpreendente. O País Basco é só mais um desses territórios muito especiais. Aqui não são só os narizes que são diferentes!
Talvez não sejam tão simpáticos e prestáveis como crescemos a pensar que são os Portugueses (outra ideia feita). Por exemplo, quando pedes informação de lugares a visitar nas poucas horas que vais estar na cidade, podem dizer a que horas abrem os museus mas não te dizem que naquele dia estão fechados porque é dia de festa, ou não fazem o mínimo esforço para perceber o teu "castelhês". Ainda assim ficam desarmados se sorris e acolhem muito bem quem vem por bem.
Claramente Eskadi está mais perto do céu, o vento é doce e as nuvens quase se podem tocar, o céu é emoldurado por montanhas e o vegetação refresca a alma. Os pequenos "pueblos" são mesmo pequenos e sólidos, como nos habituámos a imaginar os Bascos. Normalmente há uma igreja alta de pedra e as casas, também de pedra, transmitem segurança e estabilidade. É terra de gente forte e trabalhadora, pois os campos estão lavrados e cuidados. As tapas ou os pinchos (pintxos em Eskadi) são, além de bonitos, deliciosos. Por isso não sentes falta de pastelarias nem de sandes de queijo. Os menus têm dois pratos e muitos cardápios dispensam o preço. 
Come-se a outra hora, dorme-se a outra hora... Eskadi um sítio a voltar, sempre!


terça-feira, 3 de setembro de 2019

Interior...

A parte de trás do meu prédio dá para o interior de quarteirão onde confluí a parte de trás dos prédios de quatro ruas. São as traseiras de uns quinze edifícios todos com mais de quatro andares. A verdade é que são estruturas antigas que albergam apartamentos espaçosos e com grandes janelas, na sua maioria iluminando cozinhas.
Da minha janela vejo quem separa a roupa por cores, e detenho-me, muitas vezes, na forma como se estendem lençóis, cuecas ou camisas...
São preciosos estes interiores onde se expõem ou secam sem medos (ou invasões) outros interiores.
Tenho uma vizinha que usa sempre chapéu de sol quando vem à janela estender a roupa que lava à mão. Imagino que é à mão porque pinga muito e é sempre em pouca quantidade. Duas ou três peças e um chapéu dizem-me tanta coisa.
Tudo o que vejo é imaginação, faço histórias. Por exemplo o vizinho da janela em frente terminou há uns meses a relação com a namorada. Nunca mais apareceu roupa de mulher naquele estendal. Tive pena pelos dois. Ele será arquitecto e trabalha a maior parte do tempo a partir de casa, ela chegava cedo e jantavam juntos. Também deixou de ter o aquário de luz mais azulada que dava um ambiente cinematográfico à sala. Ao lado dele mora um casal de velhotes muito queridos. É sempre o senhor que estende a roupa debruçado sobre as guardas de ferro verde que o separa do estendal. Usam robe em casa e andam muito devagar.
Um apartamento deve ter algo precioso quando descubro que tem grandes de segurança, mesmo que discretas, nas janelas depois das marquises. Há um par deles nestas condições. Fico a imaginar-lhes os recheios com os quadros de pintores famosos nas paredes, esculturas em mísulas ou cerâmicas protegidas por redomas.
Neste interior crescem buganvílias cor de rosa e uma borracheira fantástica. Há uma chaminé em tijolo de burro mais alta que todos os prédios e os pássaros são muitos, com predominância para os melros.
Há vizinhos que raramente abrem as janelas. Há quem só venha à janela ou à varanda fumar ganzas. No terraço de baixo mora um grupo de jovens estrangeiros, um tipo de Erasmus que eu nunca percebi se trabalham, estudam ou estão de férias. Uma coisa é certa, as festas são fantásticas e o grupo não tem sempre a mesma composição.
Não há muitos bebés, nem muitas viúvas de preto neste segmento de cidade. Também não há militares, jogadores de futebol, saris ou tapetes de oração a precisarem de manutenção. Quem me conta isto tudo são os estendais.
Algumas janelas nunca se abrem. Uma mão cheia de apartamentos está em obras e um dos prédios está a renovar o telhado. Nesta altura do ano há mesas de jardim nos terraços e jantares ao final do dia.
A roupa essa, continua a secar ao vento e a falar-me de quem não conheço. A
maior parte das pessoas separa a trapagem em escura, branca e colorida. Eu, que sou a favor de todas as misturas, mestiçagens e cruzamentos, gosto desta vizinhança que separa a roupa por cores. É o único sítio onde me faz sentido um rigoroso critério na separação. 

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...