domingo, 24 de março de 2019

O meu tio e o ciclone...


Hoje o meu tio mais novo faz anos, faria hoje a festa dos 52 de vida, se fosse vivo, assim fazemos a festa dos 52 anos de nascimento, com a mesma importância que este ano celebramos o centenário de nascimento de Sophia de Mello Breyner. O meu tio não escreveu poesia e a sua história talvez tenha mais de dramático que de lírico pois partiu cedo de mais, vítima (também) das consequências do mau tempo que por esta altura do ano atinge (desde há alguns anos) o centro e norte de Moçambique. Este ano o Ciclone Idai trouxe mais informação (ainda assim escassa e incompleta), mas noutros anos os cortes de estradas, o isolamento, a falta de alimentos ou as doenças endémicas também se fizeram sentir neste território, assim aconteceu em 2015 em Nampula e nesse ano a malária ganhou a batalha derrubando um dos nossos, mais um homem bom em pleno século XXI.
Os meus actos de homenagem são solitários, secretos e individuais, como sou colecionadora de coisas, encontro nas coisas a forma de me ligar aos outros tanto vivos como mortos. Quando há uma festa de família por exemplo, sem que ninguém saiba levo comigo a última prenda que ele me enviou de Moçambique, quando a coloco sorrio e sei que vamos juntos para a festa.
Tenho vários objectos assim, vários objectos para os quais sorrio e digo, sem que ninguém saiba: Vamos juntos! E são tantos os afectos que transporto nas viagens, nos caminhos, nas festas, que é quase impossível sentir-me sozinha.
Este é o desejo que tenho para todos os que na Beira (Moçambique) são vítimas das alterações climáticas, para todos os que ficaram sem chão e por todo o "futuro" que foi levado pelo vento. No imediato estas pessoas precisam de cuidados de saúde, precisam que a epidemias e as doenças como a malária e a cólera sejam controladas, precisam de ser vistos por profissionais especializados e habituados a situações de emergência. Eu e a minha família optámos por apoiar nesta fase da catástrofe os Médicos Sem Fronteiras e por isso hoje o presente de aniversário do meu tio vai para os profissionais especializados que em regime de voluntariado (remunerado), estão a trabalhar naquela região e que podem com a nossa ajuda fazer a diferença entre a vida e a morte.

Os Médicos Sem Fronteiras têm um fundo de emergência para o Ciclone Idai e actuam na região, porque este não é só um problema de Moçambique, é também do Zimbabue e do Malawi. Escolho os MSF porque conheço o trabalho e pela transparência que nos comunicam. Sabemos que o nosso donativo há-se ser utilizado em 83% e que o remanescente é repartido em despesas de estrutura (5%) e de angariação de fundos (12%). Sabemos também que sem estrutura e sem fundos os trabalhos não podem ser executados.
Opto pelo site francês, porque ainda não está operacional o site português, e porque foi o mais simples de fazer o donativo directamente para o Fundo de Emergência do Ciclone Idai. Comecei pelo espanhol mas não consegui formalizar o donativo por causa do NIF e por isso passei ao país seguinte, como faço de carro. Optei pelo pagamento por cartão de crédito e depois de formalizada a transação recebi um agradecimento do presidente dos MSF.
Assim nós celebramos a vida e agradecemos a presença do meu tio António! Desejamos que as vítimas do Ciclone Idai resistam às águas e às doenças e que a saúde volte para que uma região inteira tenha a força de reconstruir o que o vento arrancou com violência. Nós também sabemos o que é isto. Que a força e a esperança nunca nos faltem.
Parabéns e obrigada Titó!
https://www.msf.fr/actualites/cyclone-idai-au-mozambique-zimbabwe-et-malawi-les-equipes-de-msf-mobilisees-sur-place
Filme Human:
https://www.youtube.com/watch?v=ShttAt5xtto





quarta-feira, 6 de março de 2019

Vejo-te passar todos os dias...

O que escrevo em baixo passou-se em Bissau há umas semanas! E hoje estava aqui a pensar na vida que se cumpre e não se cumpre... A olhar para os últimos sete anos de uma história que conheço por dentro e veio-me este episódio à cabeça, como me vieram todas as pessoas que me amam, todas as que permanecem e todas as que habitam o meu coração (pelas quais sou tão grata e feliz).

Chegava a casa depois de um jantar de amigas carregada, sem sacos (porque os plásticos são coisas que evito e os sacos de pano nem sempre estão à mão), trazia as compras de artesãos locais nos braços e uma fatia de bolo que acompanharia o antibiótico tomado a meio da noite.

O guarda da casa abriu a porta, disse-me boa noite e informou-me que havia um rapaz que queria falar comigo! Eu, que não tinha visto se não as mesmas pessoas que costumam ver filmes no computador em frente ao meu portão, fiquei espantada! Já um dia a irmã de um amigo me esperara por horas, quem teria hoje aguentado até à meia noite o meu regresso a casa? 
Voltei à rua e ele apontou para um dos seguranças que se levantou com tranquilidade. Mantive-me na rua em pé com a minha trouxa nos braços, cumprimentei-o e fiquei de ouvidos. Eu e todos os guardas das casas da rua que se juntam ali para passar o tempo.
Disse-me que queria falar em privado, o que não é inédito, já a semana passada uma das mulheres que trabalha num projecto que eu acompanho me pedia, em privado, ajuda para chegar a Portugal. Convidei-o para o lado de dentro do portão e ele disse que se chamava António, que me via passar todos os dias, que eu sou uma mulher muito bonita, alegre e que gostava muito de mim. Por isso queria ser meu namorado. A conjugação dos verbos é minha interpretação livre para resumir a conversa, contudo o conteúdo era exactamente este. E depois disto ficou calado, como se me estivesse a vender uns metros de pano e agora era só preciso eu escolher o padrão.
Sorri-lhe meio aparvalhada porque não queria comprar nada e não fazia a mínima ideia o que responder... Estava grata a tudo o que trazia nos braços e que sentia como protecção de um amor que me era estranho e desconfortável. Abordagens destas não são novas e não há quem não tenha uma história num táxi, no mercado ou na vida do dia a dia! Mas de um "desconhecido" que me via todos os dias, sabia os meus horários e a minha forma de andar, pareceu-me um tanto ou quanto "original" e isso deixou-me desconfortável.
Se me distraio tenho a tentação de pensar que é possível que ele saiba mais de mim que eu própria, afinal isto também é terra de feiticeiros heheh!
Estendi-lhe a mão num "passou-bem", mais espantada com o pragmatismo que pela declaração.
Agradeci a coragem e a objectividade da abordagem e disse-lhe que já tinha namorado (que é como se resolvem as coisas aqui, não por opção mas por falta de espaço...) e disse também que naquela rua passam mulheres muito bonitas e que ele vai encontrar uma mulher que goste de verdade (descartando logo a veracidade daquele sentimento...).
Ele reagiu, não ao facto da possibilidade de eu ter namorado mas, ao facto de ele não estar interessado em mais nenhuma das mulheres que passavam. Claro que eu identifiquei logo esta minha velha mania de arranjar soluções para os problemas que não são meus... Só depois me dou conta desta reacção quase inconsciente e fico com vontade de morder a língua. - Estavas tão bem calada, digo para os meus botões.
Tocou-me o gesto deste homem. Esta coragem naif de alguém se dirigir ao desconhecido e simplesmente dizer-lhe: gosto de ti, quero ser teu namorado, "quero comprometer-me contigo". (Bom, claro que aqui o sentido de comprometimento é muito diferente do que eu estou habituada e isto é uma outra longa conversa que para o caso não interessa nada.) E também me tocou a minha tentação de quase lhe querer provar que ele estava enganado... E também para esta faz sentido olhar.
Confesso que nunca tinha visto o António, e nem imaginava que era vista por ele.
Nas minhas orações peço para o António o mesmo que peço para mim, que o amor o encontre e que ele se deixe encontrar. É o efeito que este acto de descaramento e coragem tem em mim.
Que dizer-lhe, se não, sorrir-lhe desejar-lhe uma noite feliz e todo o bem do mundo?
Falar-lhe que cada dia acredito mais que as relações precisam de fortes denominadores comuns, de propósitos que são maiores que a soma das partes e que para isso precisamos de ver e ser vistos... seria uma perda de tempo para ambos ainda para mais, estando eu tão carregada de tralhas, de febre e de sonhos!
Passei a cumprimentar o António sempre que passava por ele na rua, a sorrir-lhe e a tratá-lo pelo nome, e sempre que me cruzei desejei aprender com ele a não ter medo de dizer o que me vai no coração e a acreditar nos corações dos outros!

E depois de contar a história deste e doutro António à Marta ela escreveu:
"...aparecerão mil e um Antónios como as mil e uma noites mágicas em que te seja importante escutares essa voz de dentro: um grande Amor está em Ti! Entre TU e a tua Alma!! E nós os Anjos dançamos e celebramos contigo!!" 
Está tudo perfeito, não há falta alguma, os anjos, esses, veem-me todos os dias sem que eu tenha a capacidade de os ver ;-)





Conversas que tenho comigo

Há uns dias ouvi falar sobre públicos de cinema num sítio onde não há uma sala com programação regular ou onde os filmes não se apresentam ...