terça-feira, 31 de maio de 2022

A chuva choveu.


Até ao último dia de maio a chuva não tinha chovido. Mostrava-se sem se chover. Muitos de nós somos assim, não vamos criticar a chuva por isso. 
Esta noite choveu. Choveu a sério. Hora e meia de chuva que chove. Chuva que se deixa cair. 
A primeira grande chuva noturna da estação. Virão outras maiores, muito maiores, mas a primeira marca-nos, ou molha-nos, conforme o lugar onde nos colocarmos.
Ainda não nos habituamos uma à outra, mesmo se nos desejamos, bom, eu desejo-a, ela talvez nem me conheça... É sempre assim com os amores platónicos.
Começou às 5 da manhã e lavou a noite antes de ela ir dormir. Lavou o dia antes de ele acordar. 
Arrefeceu os corpos que dormiam e os que acordaram para a cumprimentar. Eu acordei. 
Fiquei a ouvir chover. A ouvir os trovões envoltos em veludo num som que se arrasta como quem espreguiça.
Não consegui dormir perante a chuva e a sua força doce de quem procura caminho para crescer. Mesmo se mimada pelo vento que me tocava ao de leve a pele destapada  não consegui adormecer até que a força da chuva não se dissipou. 
A manhã acordou fresca, a rua molhada canta feliz quando os carros passam. 
Há uma leveza no ar que quero sorver porque sei que em breve a humidade vai tornar o ar irrespirável e ensinar à pele o que é chover. 

terça-feira, 24 de maio de 2022

Diz-me tu, de onde sou?

Muitas vezes me perguntam de onde sou. Não se responde a uma pergunta com outra pergunta, mas tantas vezes me apetece devolver com: Diz-me tu, de onde sou.

Não perguntamos "de quem somos" porque seria vermo-nos como posse de um outro, seria equiparar-nos a objecto possuído. Porque é que temos de ser posse de algum território?

Claro que temos gente em nós, como temos chão em nós. Temos um chão que nos viu nascer e talvez não sejamos de lá porque as "nossas gentes" apenas o pisavam por acaso. Temos gente que nos viu nascer e talvez não sejamos delas porque encontramos outros com quem pisámos mais chão ou descobrimos mais caminhos.

Secretamente quero ser do bem, do bom e do belo... O resto, se tem coordenadas geográficas, laços de sangue ou heranças, é só acessório deste território social composto por tempo, espaço,  tradições, língua, ofertas de consumo, fruições de diferentes tipos, tradições no mesmo número, educação, poder de compra, etc.

Uma certeza eu tenho, não sou de um ponto, sou de uma circunferência que alarga todos os dias como quem se espreguiça, num desejo constante de amplitude e elasticidade. O céu une isto tudo. Da próxima vez que me perguntarem, talvez responda: sou do céu... E aí volto a ter problemas porque o céu não é um lugar de vivos. Mas conseguiríamos viver sem céu? Não me parece. 


segunda-feira, 16 de maio de 2022

Sábado à noite


Já fui a festivais com menos concertos numa noite, mas, seguramente nunca com tanta variedade. 
Há noites em que vemos quatro concertos e o último é uma sinfonia em contratempo entre o piar dos pássaros que acordam o dia e o bater dos corações que continuam a desejar a noite.  
Olho para a curadoria e fico à procura do adjetivo para me caracterizar enquanto público. Claramente não é falta de flexibilidade nem de movimento. 

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...