terça-feira, 10 de novembro de 2020

Cruzes

Diz-me a senhora com quem me cruzo na rua:  "A última chuva da estação chega para lavar as cruzes."

Sorrio, a ela e às gotas que me fazem acelerar o passo até ao escritório numa manhã quente de céu carregado.
Pela conversa da "mulher grande" imagino que num chão animista a cruz também tenha um sentido transcendente. Não será o símbolo do início de uma nova contagem do tempo mas talvez aproprie a intercessão entre dois mundos, o horizontal e o vertical... Dois planos... O terreno e o celeste, sem que venhamos alguma vez a saber qual deles é o transcendente.
Talvez o transcendente esteja no ponto de intercessão dessas duas retas infinitas, que para se encontrarem uma única vez, nunca poderão correr paralelas.
Por mais infinitas que sejam, apenas se tocarão num ponto e esse é o instante do inexplicável. Um único ponto que é ao mesmo tempo o "tudo" ou o "todo"...
Quando é que ele "acontece" não sei. Só sei que as últimas chuvas da estação têm como fim lavar as cruzes, para deixar as moradas dos mortos limpas para acolherem a estação seca, num mundo em que o tempo se divide em dois e não em quatro como compôs Vivaldi.
Gosto desse respeito, em compasso binário, que o tempo mostra ter por aqueles que se tornam pó ou tão extraordinariamente partícula de intercessão das duas retas infinitas.
Abrando o passo antes de entrar ao portão, olho-me de fora de mim própria e desejo também que a chuva me lave os planos horizontal e vertical, onde me perco e encontro todos os dias.
Seguir-se-ão seis meses sem que o céu se manifeste nesta forma e nós caminharemos confiantes no regresso da chuva, que voltará a lavar o pó que também somos.

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...