segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Gente (São Paulo 2022)

Quanto mais ando por São Paulo mais me parece uma imensidão, talvez porque a minha visão é condicionada por ter vivido sete anos num país com cerca de dois milhões de habitantes (um bairro aqui facilmente tem essa quantidade), ou por estar habituada a centros urbanos que percorro a pé, este parece-me um centro fora de escala ou com escala de gigantes. Gigante, aqui, é o número de pessoas. 

Não conheço o Brasil, apenas começo a conhecer um pouco de São Paulo e vou fixar esta primeira impressão para um dia me rir dela, como me costuma acontecer em situações idênticas. No princípio os olhos vêm os horizontes mais à nossa medida que à medida das coisas e para as “novas verdades do olhar” é importante a abertura para a mudança que só se consegue com o tempo. O tempo que torna as coisas e os sítios familiares…

Quando decidi rumar ao Brasil e aterrar em São Paulo o que mais ouvi foi: é uma cidade violenta, cuidado com os assaltos. Sente-se esse medo. Ver pessoas com armas na mão e dedo no gatilho não é uma coisa leve, mas a gente aprende a ajustar-se a esse peso.
O que me surpreendeu foi ver uma cidade cheia de mendigos e da gente remediadamente generosa que os sustenta. 
No metro vendem-se, balinhas, carteirinhas, máscaras, fones de ouvido, café, música e o mais que se possa imaginar. Não há alguém na carruagem que não compre alguma coisa ou que não dê dinheiro a outro alguém para o ajudar na cesta básica ou na refeição que é pedida de carruagem em carruagem. As pessoas compadecem-se do outro porque todos já passaram dificuldades, todos já viveram a escassez ou pelo menos, são tocados por ela.

No semáforo (farol) as pessoas pedem e dão com uma naturalidade desconcertante. 
Não se passa fome aqui e no entanto há tanta miséria.
A Praça da Sé, os entradas do metro, os viadutos perto de semáforos, as pontes, estão habitadas por gente que se abriga em tendas normalmente iguais se cobre com mantas de cor cinza e adormece perto de lixo. 
Os mendigos estão onde estão as pessoas que os podem sustentar.
Muita gente pede e muita gente dá, porque muita gente dá muita gente pede.
O lugar de onde vejo isto deixa-me muitas questões sem resposta, deixa-me por isso muito mais silêncio que razões. Por um lado é impressionante a generosidade das pessoas  é também impressiona-te a capacidade de comprar “coisinhas” das “lojas dos 300” em todo o lado que se vá, por outro o precedente que isto abre para a manutenção de uma franja da população constantemente excluída (ou auto-excluída).
Há muita gente. 








segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Terra

Hoje foi o dia das minhas árvores conhecerem o seu novo chão.

A Tília, o Castanheiro da Índia, o Ginkgo biloba, o Carvalho, uma outra árvore da qual não me lembro o nome, ganharam chão, consigam elas adaptar-se ao tempo e ao espaço. Sim, porque para mudanças não é só preciso ter vontade é preciso que vários factores se conjuguem...
Desejo muito que elas ganhem esta roleta das probabilidades e sejam felizes na sua nova terra.
Nem tudo correu como o programado, por exemplo, a mangueira ficou ainda em vaso, protegida, esperando mais resistência ao clima da Beira Baixa, ou pior algumas das mudas encomendas o ano passado não resistiram para se poderem acomodar a novos ventos.
Durante muitos anos nesta altura os meus pais visitavam dois cemitérios e honravam os seus pais, e nossos avós, enquanto eu e os meus irmãos ficávamos em casa a aproveitar a autonomia de adolescentes.
Este ano em honra dos meus mortos passo o dia de mãos na terra a afundar raízes, pois acredito de alguma forma as raizes se tocarão e insprarão os corpos a crescerem em direção à luz.

Ligo a terra ao céu antes de uma grande viagem. Deixo as árvores crescerem sozinhas enquanto eu viajo da mesma maneira.
No fundo queremos o mesmo, voar e chegar mais fundo... Que seja uma bela e óptima viagem para nós, queridas árvores.
Se tudo nos correr bem hei-de-me sentar à vossa sombra, agradecendo aos vivos e aos mortos o chão, a história e o tempo que nos faz maiores todos os dias.





terça-feira, 19 de julho de 2022

Escola de ouvido



Hoje tive uma ideia que me fez sorrir... Tenho ideias a conversar com as pessoas. Por isso talvez não sejam ideias só minhas são despertadas pelo coletivo que se encontra, são despertadas pela vontade de encontrar soluções ou pelo gosto de ver o mundo de outros pontos de vista.

Hoje inventei uma "escola de ouvido". Uma escola em que os alunos sentados da forma como entenderem aprendem de olhos fechados o som dos passáros que anunciam o amanhecer, aprendem a distinguir um rouxinal de uma rola, aprendem de ouvido a cor das aves e o movimento dos animais selvagens.

Aprendem a distinguir um didjirudú de uma flauta, um cravo de um piano e com isto aprendem o tempo de demorou a chegar de um ponto a outro.

Aprender os ritmos do djambé em contraponto com os timbalos e descobrem que se podem afinar instrumentos de percussão com sol ou com chaves de metal.

Aprendem que nem sempre existiu saxofone e com ele descobrem caves escuras onde se fazia música. 

Aprendem de ouvido a distinguir Viena de São Francisco, os aborisnes australianos dos indios da amazónia. Pelo som descobrem tempos e espaços, rituais e vulcões. Sobem às montanhas dos Andes ou descem ao Mar Morto ao mesmo ritmo do ar rarefeito ou da densidade do sal. 

Distinguem a lingua dos clics, o mandarim ou o russo, com a mesma facilidade que distinguem um tecido de algodão, seda ou lã. Ouvem falar de epopeis e nelas encontram Cavalos de Pau cujo interior, em silêncio, permitiu ganhar a guerra. 

Aprendem a distinguir poesia de prosa pelo ritmo das palavras e vão saber que nem tudo o que rima é poético e que também há narrativas escritas em verso.

Aprendem de ouvido o som dos passos com chinelos, salto alto, ou o simples ranger dos pés na areia molhada.

Não pensem os mais distraídos que não há testes nesta escola, porque os há. Os estudantes distinguem-se uns dos outros pelos sons e cada um deles partilha o som que mais gosta naquele momento e os outros adivinham de onde vem, e assim distinguem música barroca de música electrónica, jazz de blues, Bowie de Bjork.

Vai ser giro quando um deles decobrir um som novo que não está catalogado na memória e aí serão eles em conjunto a fazerem a história. Desses sons havemos de ouvir falar no futuro e espantar-nos-emos com a capacidade que os alunos têm de criar em conjunto, só porque aprenderam a ouvir.

Uns tornar-se-ão observadores de pássaros, uns músicos, outros afinadores de pianos, uns serão locutores de rádio, outros professores, uns serão pais de familia e outros serão viajantes solitários, não consigo imaginar o quanto farão tantos deles, sei apenas que a grande maioria será muito feliz.

terça-feira, 31 de maio de 2022

A chuva choveu.


Até ao último dia de maio a chuva não tinha chovido. Mostrava-se sem se chover. Muitos de nós somos assim, não vamos criticar a chuva por isso. 
Esta noite choveu. Choveu a sério. Hora e meia de chuva que chove. Chuva que se deixa cair. 
A primeira grande chuva noturna da estação. Virão outras maiores, muito maiores, mas a primeira marca-nos, ou molha-nos, conforme o lugar onde nos colocarmos.
Ainda não nos habituamos uma à outra, mesmo se nos desejamos, bom, eu desejo-a, ela talvez nem me conheça... É sempre assim com os amores platónicos.
Começou às 5 da manhã e lavou a noite antes de ela ir dormir. Lavou o dia antes de ele acordar. 
Arrefeceu os corpos que dormiam e os que acordaram para a cumprimentar. Eu acordei. 
Fiquei a ouvir chover. A ouvir os trovões envoltos em veludo num som que se arrasta como quem espreguiça.
Não consegui dormir perante a chuva e a sua força doce de quem procura caminho para crescer. Mesmo se mimada pelo vento que me tocava ao de leve a pele destapada  não consegui adormecer até que a força da chuva não se dissipou. 
A manhã acordou fresca, a rua molhada canta feliz quando os carros passam. 
Há uma leveza no ar que quero sorver porque sei que em breve a humidade vai tornar o ar irrespirável e ensinar à pele o que é chover. 

terça-feira, 24 de maio de 2022

Diz-me tu, de onde sou?

Muitas vezes me perguntam de onde sou. Não se responde a uma pergunta com outra pergunta, mas tantas vezes me apetece devolver com: Diz-me tu, de onde sou.

Não perguntamos "de quem somos" porque seria vermo-nos como posse de um outro, seria equiparar-nos a objecto possuído. Porque é que temos de ser posse de algum território?

Claro que temos gente em nós, como temos chão em nós. Temos um chão que nos viu nascer e talvez não sejamos de lá porque as "nossas gentes" apenas o pisavam por acaso. Temos gente que nos viu nascer e talvez não sejamos delas porque encontramos outros com quem pisámos mais chão ou descobrimos mais caminhos.

Secretamente quero ser do bem, do bom e do belo... O resto, se tem coordenadas geográficas, laços de sangue ou heranças, é só acessório deste território social composto por tempo, espaço,  tradições, língua, ofertas de consumo, fruições de diferentes tipos, tradições no mesmo número, educação, poder de compra, etc.

Uma certeza eu tenho, não sou de um ponto, sou de uma circunferência que alarga todos os dias como quem se espreguiça, num desejo constante de amplitude e elasticidade. O céu une isto tudo. Da próxima vez que me perguntarem, talvez responda: sou do céu... E aí volto a ter problemas porque o céu não é um lugar de vivos. Mas conseguiríamos viver sem céu? Não me parece. 


segunda-feira, 16 de maio de 2022

Sábado à noite


Já fui a festivais com menos concertos numa noite, mas, seguramente nunca com tanta variedade. 
Há noites em que vemos quatro concertos e o último é uma sinfonia em contratempo entre o piar dos pássaros que acordam o dia e o bater dos corações que continuam a desejar a noite.  
Olho para a curadoria e fico à procura do adjetivo para me caracterizar enquanto público. Claramente não é falta de flexibilidade nem de movimento. 

domingo, 3 de abril de 2022

Abraço

Um abraço coloca os corações frente a frente a ponto de se tocarem. Num abraço a sério eles tocam-se, não tenho dúvida.
Coloca a boca junto da orelha a ponto de se falarem e se ouvirem os corpos colados que não se vêem, apenas se sentem. A visão num abraço de pouco serve, alocando recursos a outros sentido mais importantes. Afinal o abraço é para se ver por dentro e não por fora.
Um abraço dá colo à cabeça e descanso ao corpo. Um abraço aquece a pele e permite sentir a temperatura, o cheiro, a firmeza, a textura do outro.
Um abraço pode ter sabor a encontro, a despedida, a festa, a sexo, a segurança, a gratidão, a desespero, a compaixão... Algumas (poucas) vezes sabe o que é o amor profundo e é por isso que eu gosto tanto de abraços. Sem eles não seria o que sou. O curioso e que me lembro muito bem dos abraços que me (re)construíram por dentro, que me seguraram lágrimas, transpirações, alegrias, vitórias e momentos em que era só eu no ordinário dos dias. 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Insta...ntes

Gosto de olhar o meu Instagram, ele conta-me a minha história e vejo-a sempre de maneira diferente. Talvez me invente, talvez o tempo me invente... O tempo traz outras leituras para as narrativas de não ficção, que é o gênero literário a que pertence a vida.  

Na maior parte das vezes conto pelos dedos das mãos os anos que passaram para que a realidade ganhe tacto, espessura ou distância. 
Um destes dias olhava para uma fotografia do casamento de um dos meus primos e pensei, passaram seis anos, eles têm agora dois filhos e eu o mesmo par de sapatos.
Sim, duram-me muito os sapatos que não trago para Bissau. 😁  
 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Meias e chocolates

Quando tenho mais dificuldade em me perdoar, consulto a aplicação que monitoriza o ciclo menstrual, se percebo que o problema não é hormonal então dedico-me a ele.

É bem mais fácil quando as hormonas justificam as nossas insatisfações, aí o chocolate, as meias (mesmo em clima quente) e o isolamento resolvem os problemas existenciais, na outra situação são precisos bem mais dias, e por mais que o chocolate esteja caro, é preciso muito mais investimento. 
Sermos generosos e justos connosco é um processo que requer um trabalho, que não podendo ser feito por outros, dificilmente conseguimos fazer sozinhos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Tomate

Saí do escritório já muito depois daquela que é a hora definida para o almoço em contexto ocidental. No caminho espreitei as redes sociais e encontrei um post do Rui que dizia:  "Por vezes temos de parar de buscar, para que aquilo que procuramos nos possa encontrar".  Sorri porque é sexta-feira da segunda semana de trabalho do novo ano e as inspirações são bem vindas. A verdade é que a inspiração que tento seguir não é assim tão popular em posts e circunscreve-se à tentativa de deixar de comer açúcar, esta torna-se ainda mais romântica no momento em que lambo os dedos depois de comer um duchesse, mas isto não vem para o caso e serve só para alentar quem tenha o mesmo propósito ou lembrar só mesmo o propósito. 

Ao almoço esperava-me uma posta de peixe cozida com limão, palha de cebola (como se diz aqui) e alho. Juntei um pouco de konjac e enquanto aquecia, abri a gaveta dos legumes. Verbalizei o que me apetecia: nesta paleta esbranquiçada ficava mesmo bem um tomate vermelhinho. Não havia tomate e os verdes tinham acabado no jantar anterior, havia couve lombarda não arranjaria a tempo para a fome que me habitava e para aquele intervalo de almoço. Podia descer as escadas e ir comprar à rua, mas o relógio não ajudava.

Conformei-me com o peixe que depois de aquecido cheirava bem, eu sabia saboroso e que me nutriria. Ainda assim, por nenhuma razão que não seja o hábito quando nos falta alguma coisa, abri a porta principal do frigorífico e na prateleira de cima estava a minha taça preferida com folhas de alface fresca lavada e um pequeno tomate, tal e qual o havia visualizado momentos antes.

Pulei, quase chorei de emoção, mas o que mais ressaltou foi a ternura e a gratidão para com a Deolinda (que ajuda aqui em casa pelas manhãs) ter olhado para o peixe cozido, ter visto a gaveta dos legumes vazia, e ter retirado do seu parco avio, (feito no mercado antes e vir trabalhar), um tomate e um pouco de alface que desinfetou e deixou pronta a comer para quando eu chegasse. Que alegria esta. Que satisfação comer aquela salada. Que generosidade aquele gesto de quem tem muito menos na dispensa e ainda assim partilha sem reserva.

Lembrei-me das palavras do Rui e imaginei ter deixado que aquele tomate me encontrasse. 

Na vida acontecem muitos milagres, a maior parte deles não vemos, eu estou muito feliz por ter experimentado este. Soube muito bem, literalmente.


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Partidas...

Aqueles que partem, vão sempre em vantagem. Quem fica e tem de organizar o ordinário dos dias de forma diferente do até então, sente muito mais a falta do que aquele que pela natureza da partida, da mudança ou do movimento terá de prestar atenção a novos estímulos e criar naturalmente novas rotinas nas novas circunstâncias. Criar novas rotinas nas velhas circunstâncias é o verdadeiro desafio.

Quando se vive uma realidade de grande mobilidade de pessoas essa é a grande prova de resistência. Há quem se escude no "não quero mais amigos" para evitar o sofrimento da separação ou do vazio. Há quem deixe de ter paciência para investir nos "novos" outros que chegam, não por medo da separação para pelo cansaço que é voltar a apresentar-se ao outro, ou descobri-lo, ambos os movimentos exigem energia, confiança e esperança.

Volto ao princípio, quem parte vai sempre em vantagem porque vai construir, vai à descoberta. Quem fica, terá de recriar o vazio a partir de si. Se se vai embora o nosso companheiro das caminhadas que sentido daremos aos novos passos? Se se vai embora a nossa companhia nos cozinhados que sabor daremos aos novos pratos? 

É possível que já tenhamos caminhado ou cozinhado sozinhos, talvez voltemos a rotinas antigas, mas talvez tenhamos descoberto juntos coisas bonitas que agora teremos de reinventar. Enquanto quem parte constrói novas rotinas no desconhecido, quem fica terá de as construir a partir do conhecido, do experimentado, do gostado. Por isso nos faz tanta falta aquele que habitou connosco um determinado espaço/tempo que nunca se repetirá. 

Se a vida não nos faltar, vamos mantendo o contacto, pelas redes sociais, que nasceram exatamente para colmatar esta necessidade de continuidade e comunicação que temos ou desejamos. Vamos encontrar-nos passados uns meses/anos e no encontro ficará a ideia que ainda "foi ontem" que nos separamos. A memória passará a ser alimentada pelo extraordinário do momento em vez da rotina dos dias. 

Aqueles com quem nos cruzamos na vida e não desejamos voltar a ver não entram nesta equação. São circunstanciais estas pessoas e não nos fazem falta, apenas habitam os dias como o merceeiro ou padeiro que não conhecemos o nome ou o rosto e podemos substituir por outro prestador de serviços sem que isso nos afete a digestão. 

Não há amor/relação sem futuro... Mas a sua definição talvez seja mais o viver sem medo este abraço inteiro ao presente, na certeza que o futuro não existe fora do nosso coração. Afinal o coração é o único sítio onde os que amamos estão sempre em vantagem e de onde nunca (se) partem. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Ítaca doze anos depois...

Há doze anos marcava o dia do meu aniversário com um poema. Há datas que podem ser marcadas com a poesia e o poema de 2010 foi-me lembrado pela Neuza enquanto limpava a sua caixa de e-mail. Talvez eu intuísse, na altura, que começava um caminho novo, não sei ao certo nem tenho consciência disso, mas claramente alguma coisa teria de mudar e mudou. Enfrentei Ciclopes, Lestrogónios e até Poseidon irado e com eles aprendi mais sobre mim. Conheci-me e aceitei-me nessas tempestades e o mar acalmou.

Hoje compro "mercadorias raras e perfumes subtis de toda a espécie" e a viagem tem sido generosa na oferta de horizontes, aromas e sorrisos. Deixei de me apressar, sigo tranquila mesmo quando escondo sorrisos ou bocejos atrás de uma máscara.

Ontem voei para Bissau a bordo de um avião com o nome de Sophia de Mello Breyner (desde que deixaram de ter talheres de metal ou mantas de jeito o que gosto mais na TAP é darem nomes aos aviões), e não imaginam o sorriso que se me imprimiu nas entranhas.

Que a poesia nos salve e nos faça voar sempre. Ítaca espera-nos.

Deixo em baixo o poema do poeta grego do início do século XX, chamado Konstantinos Kaváfis. 


 ÍTACA

Quando partires de regresso a Ítaca,

deves orar por uma viagem longa,

plena de aventuras e de experiências.

Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,

um Poseidon irado - não os temas,

jamais encontrarás tais coisas no caminho,

se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime

teu corpo toca e o espírito te habita.

Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,

Poseidon em fúria - nunca encontrarás,

se não é na tua alma que os transportes,

ou ela os não erguer perante ti.


Deves orar por uma viagem longa.

Que sejam muitas as manhãs de Verão,

quando, com que prazer, com que deleite,

entrares em portos jamais antes vistos!

Em colónias fenícias deverás deter-te

para comprar mercadorias raras:

coral e madrepérola, âmbar e marfim,

e perfumes subtis de toda a espécie:

compra desses perfumes quanto possas.

E vai ver as cidades do Egipto,

para aprenderes com os que sabem muito.


Terás sempre Ítaca no teu espírito,

que lá chegar é o teu destino último.

Mas não te apresses nunca na viagem.

É melhor que ela dure muitos anos,

que sejas velho até ao ancorar na ilha,

rico do que foi teu pelo caminho,

e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.


Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.

Sem Ítaca, não terias partido.

Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.


Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.

Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,

terás compreendido o sentido de Ítaca.

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...