quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Tatuagens...

Um destes dias uma historiadora com uma vida cheia de histórias disse-me em pleno tchon di Guiné, que não percebia as pessoas que se tatuavam. Disse-me que não percebia a moda, que nunca a percebeu.
Talvez a tenham marcado as descrições da PIDE e as buscas de sinais distintivos para identificar indivíduos suspeitos. Na juventude fora militante de partido Maoista e acérrima lutadora contra o regime, cedo percebeu enquanto investigadora, que as tatuagens não eram uma mais valia para ninguém, principalmente para quem vive a resistência ou a clandestinidade. É uma visão curiosa, esta, a de se resguardar de uma identificação fácil dos PIDES.
Desconhecia ela que no meu corpo habitavam desenhos. Não tenho a memória de nenhuma polícia política, e as tatuagens para mim são uma forma de o corpo me contar histórias, de o ver com cor e formas que gosto e me falam da minha história e de alguns momentos que elegi. São talvez como cicatrizes que faço conscientemente num determinado contexto. Nunca fiz uma tatuagem só por fruição plástica. Até gostava, confesso, mas ainda não me aconteceu. Há sempre uma intencionalidade de contexto, uma marca que quero deixar em mim, uma história minha e da qual só eu sei o enredo.
A última que fiz foi para marcar um novo tempo, redesenhando sonhos do passado. A base é a antiga contudo o envolvimento é fluído e agora é uma forma orgânica, feminina, mais bela, mais minha. É assim também que vejo o novo momento em contraponto ao antigo sobre o qual edifico uma nova e pulsante natureza.
Esta mesma senhora, e nova amiga, perguntou-me com muita naturalidade se tinha namorado ou namorada. Achei tão querida a pergunta e desejei ter eu a mesma naturalidade para a fazer aos futuros desconhecidos com quem me cruzar. Uma outra pessoa, bem mais nova, perguntou-me hoje e sem mais nenhum enquadramento, em que trabalhava o meu marido. Eu ri e apeteceu-me responder, ainda não sei, não o conheço!
Mas depois não fosse ela achar tonta a resposta, respondi claramente que não tinha marido, e à cara de surpresa atalhei, para fim de conversa que vivia sozinha, o que nem sequer é verdade pois se há coisa que eu não vivo, de todo, é sozinha. Enfim, andamos todos a tentar ler-nos, saber-nos, desenhar-nos... Mas não há tatuagem, nem resposta que nos defina ou nos apresente. Há coisas que só o tempo permite ler ou ver, como na história. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Refugiados...

Muito ouvimos falar de refugiados. Toca-nos a dor de quem foge da guerra, toca-nos quem é obrigado a sair do seu país por razões políticas, religiosas ou questões económicas. Embora não seja verdade, podemos dizer que a guerra, a economia ou os interesses políticos ou religiosos, não são da nossa responsabilidade. Que pouco podemos fazer contra os radicalismos religiosos, as guerras étnicas ou de disputa de poder.
Mas como encaramos nós hoje os refugiados ambientais?
O direito internacional dá estatuto de refugiado a quem foge de guerra ou perseguições, pessoas forçadas a sair do seu território por causa das mudanças climáticas não são protegidas pela lei. 
Como olhamos nós para alguém que tem de abandonar a sua casa porque as águas sobem? Por causa de secas prolongadas ou catástrofes naturais? 
As águas não sobem de forma natural sobem porque a acção de todos os homens condiciona o clima e faz com que a temperatura suba, consequentemente nesta forma redonda em que nos equilibramos, se a temperatura sobe a água sobe e populações inteiras têm de procurar novos territórios aos quais possam chamar casa.
Pensar que estão previstos 200 milhões de refugiados climáticos num futuro próximo é assustador. Países como Bangladesh, Malaui, Haiti ou Guiné-Bissau vivem esta ameaça de precariedade, pobreza e vulnerabilidade. 
Os refugiados climáticos são originários tendencialmente de países com baixas emissões de dióxido de carbono, países que eles pro si só não conseguem mudar o curso da história. Não é uma política interna que altera a situação, não é plantar mangal, ou outras árvores que vai ajudar a que a água não galgue os muros, não inviabilize os campos.
É uma política global para a qual eles são completamente invisíveis ou despresaveis que tem de ser responsabilizada. Somos nós que circulamos nos ditos espaços civilizados que temos de ser responsabilizados. Responsabilizados pelo lado descartável da nossa vida que faz a jusante que haja gente que se sente descartável, esquecida por todos e fique submersa. 
Costuma-se dizer: estás mal, muda-te. Mas neste caso não há nada mais injusto. Porque devíamos dizer: estás mal? Então vamos mudar todos. 
Só uma mudança global e concertada fará a diferença. Já não basta agir local. 
Mudar a forma como vemos o consumo, como elegemos os políticos, como governamos a terra, como usamos do dinheiro... E se a temperatura continuar a aumentar, ou a água continuar a subir, vamos dividir o que temos com quem tudo perdeu. 
A Guiné-Bissau verá em breve os seus primeiros refugiados climáticos, cerca de 50 famílias vão sair de Jobel, uma tabanca (aldeia) no norte, porque deixam de ter terra para cultivar perdem as condições para viver na sua casa de sempre, para viver na terra dos seus antepassados e onde estão enterrados os seus mortos.  Elalab uma outra tabanca lindíssima que tive oportunidade de conhecer vai desaparecer mais ano menos ano se as condições climáticas não se inverterem.
Esta gente não se enquadra na categoria de simples deslocados, são vítimas de todos nós, são vítimas das opções de outros. Estes países e todos nós temos de exigir ao mundo maior responsabilidade e uma mudança de comportamento consequentemente e global. Agir local é importante mas não basta agir local. Não basta mudar as condições dos países que vão desaparecer, das famílias que vão mudar de casa. Temos de mudar como povo global se queremos continuar a ser "vários"!

Conversas que tenho comigo

Há uns dias ouvi falar sobre públicos de cinema num sítio onde não há uma sala com programação regular ou onde os filmes não se apresentam ...