domingo, 23 de julho de 2023

Lugares que somos

Recebi uma mensagem via facebook de uma pessoa que fez parte das minhas turmas do sétimo e oitavo anos, sem memória de encontros posteriores. Reconheceu-me numa publicação de um evento em que participei mais de trinta anos depois de uma adolescência em que não cabíamos no corpo que vestia roupas demasiado largas.

Ontem à noite no Uber que me trouxe àquela que é, cada vez mais, a casa dos meus pais e menos a minha, tive uma surpresa sem medida. Sou conduzida pelo namorado recente de uma amiga que a meados nos anos 90 me emprestava os livros que eu devorava com prazer e de cuja biblioteca eu li todos os volumes das Brumas de Avalon, numa juventude em que sonhava ser adulta desejosa de sair das borbulhas e do invólucro desconhecido que não se ajustava a nada e no qual não me reconhecia.

Às vezes o passado encontra-nos sem nos darmos conta. E tal como os monstros ou os medos é bom olhá-lo frente.

E que alegria sinto em ouvir as histórias de vidas que se cruzaram num tempo longínquo e que agora se visitam tão diferentes, tão vividas, tão reais.

Cumprimos-nos neste hiato e voltamos às vidas uns dos outros para lembrar que neste caminho de alguma forma seguimos fiéis a alguns sonhos de infância, resistimos à adolescência e saímos da juventude inteiros para a vida. E que vida, e que voltas não imaginadas.

Talvez esteja a entrar no estágio anterior à velhice e o que vivi na primeira parte da vida situe esta terceira num lugar de consciência e paz quando a comparo com uma memória que não é nítida, não é fílmica, mas é de sensações, flash desconexos, como os sonhos.

Que alegria em recordar um amigo que me transmitia paz e que me fazia sentir vista, que alegria recordar uma amiga que me emprestava livros e que sendo mais velha, bonita e com quem aprendia pelo espanto, representava o que desejava ser num futuro que não acreditava que acontecesse. Aconteceu.

Sinto-me profundamente grata pelas memórias que agora construo, baseadas em factos reais. Pela escola cheia de luz e portas que davam para a rua, em cujas salas, alguém reparava que me sentava à frente com uma atenção mais madura que a idade.
Pela estação rodoviária de bancos de madeira castanha polida, cheiro a tubo de escape e de altifalantes fanhosos onde me cruzava com duas irmãs altas, uma loura e outra morena, que apanhando o mesmo autocarro, me faziam companhia com sorrisos e curiosidades literárias.

Vamos ao encontro do futuro e também caminhamos ao encontro do passado, ressignificando e editando, trazendo à memória e construindo a partir do lugar onde nos encontramos agora.
O lugar onde escolhemos ser nós mesmos, e naquele em que nos reconhecemos e temos o dom ou a graça de ser reconhecidos. Só nesse reconhecimento tem lugar o amor, tem lugar o futuro.

Como sempre escrevo para mim, para não me esquecer do que não consigo colocar em palavras e não me esquecer da emoção de encontrar e ter sido encontrada por um Jorge, um Bruno, uma Teresa, uma Cecília... que já não conheço, mas com quem me cruzei naquele lugar onde as coisas não mudam, que é o coração.
A esperança, também, começa aqui.

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...