sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Tomate

Saí do escritório já muito depois daquela que é a hora definida para o almoço em contexto ocidental. No caminho espreitei as redes sociais e encontrei um post do Rui que dizia:  "Por vezes temos de parar de buscar, para que aquilo que procuramos nos possa encontrar".  Sorri porque é sexta-feira da segunda semana de trabalho do novo ano e as inspirações são bem vindas. A verdade é que a inspiração que tento seguir não é assim tão popular em posts e circunscreve-se à tentativa de deixar de comer açúcar, esta torna-se ainda mais romântica no momento em que lambo os dedos depois de comer um duchesse, mas isto não vem para o caso e serve só para alentar quem tenha o mesmo propósito ou lembrar só mesmo o propósito. 

Ao almoço esperava-me uma posta de peixe cozida com limão, palha de cebola (como se diz aqui) e alho. Juntei um pouco de konjac e enquanto aquecia, abri a gaveta dos legumes. Verbalizei o que me apetecia: nesta paleta esbranquiçada ficava mesmo bem um tomate vermelhinho. Não havia tomate e os verdes tinham acabado no jantar anterior, havia couve lombarda não arranjaria a tempo para a fome que me habitava e para aquele intervalo de almoço. Podia descer as escadas e ir comprar à rua, mas o relógio não ajudava.

Conformei-me com o peixe que depois de aquecido cheirava bem, eu sabia saboroso e que me nutriria. Ainda assim, por nenhuma razão que não seja o hábito quando nos falta alguma coisa, abri a porta principal do frigorífico e na prateleira de cima estava a minha taça preferida com folhas de alface fresca lavada e um pequeno tomate, tal e qual o havia visualizado momentos antes.

Pulei, quase chorei de emoção, mas o que mais ressaltou foi a ternura e a gratidão para com a Deolinda (que ajuda aqui em casa pelas manhãs) ter olhado para o peixe cozido, ter visto a gaveta dos legumes vazia, e ter retirado do seu parco avio, (feito no mercado antes e vir trabalhar), um tomate e um pouco de alface que desinfetou e deixou pronta a comer para quando eu chegasse. Que alegria esta. Que satisfação comer aquela salada. Que generosidade aquele gesto de quem tem muito menos na dispensa e ainda assim partilha sem reserva.

Lembrei-me das palavras do Rui e imaginei ter deixado que aquele tomate me encontrasse. 

Na vida acontecem muitos milagres, a maior parte deles não vemos, eu estou muito feliz por ter experimentado este. Soube muito bem, literalmente.


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Partidas...

Aqueles que partem, vão sempre em vantagem. Quem fica e tem de organizar o ordinário dos dias de forma diferente do até então, sente muito mais a falta do que aquele que pela natureza da partida, da mudança ou do movimento terá de prestar atenção a novos estímulos e criar naturalmente novas rotinas nas novas circunstâncias. Criar novas rotinas nas velhas circunstâncias é o verdadeiro desafio.

Quando se vive uma realidade de grande mobilidade de pessoas essa é a grande prova de resistência. Há quem se escude no "não quero mais amigos" para evitar o sofrimento da separação ou do vazio. Há quem deixe de ter paciência para investir nos "novos" outros que chegam, não por medo da separação para pelo cansaço que é voltar a apresentar-se ao outro, ou descobri-lo, ambos os movimentos exigem energia, confiança e esperança.

Volto ao princípio, quem parte vai sempre em vantagem porque vai construir, vai à descoberta. Quem fica, terá de recriar o vazio a partir de si. Se se vai embora o nosso companheiro das caminhadas que sentido daremos aos novos passos? Se se vai embora a nossa companhia nos cozinhados que sabor daremos aos novos pratos? 

É possível que já tenhamos caminhado ou cozinhado sozinhos, talvez voltemos a rotinas antigas, mas talvez tenhamos descoberto juntos coisas bonitas que agora teremos de reinventar. Enquanto quem parte constrói novas rotinas no desconhecido, quem fica terá de as construir a partir do conhecido, do experimentado, do gostado. Por isso nos faz tanta falta aquele que habitou connosco um determinado espaço/tempo que nunca se repetirá. 

Se a vida não nos faltar, vamos mantendo o contacto, pelas redes sociais, que nasceram exatamente para colmatar esta necessidade de continuidade e comunicação que temos ou desejamos. Vamos encontrar-nos passados uns meses/anos e no encontro ficará a ideia que ainda "foi ontem" que nos separamos. A memória passará a ser alimentada pelo extraordinário do momento em vez da rotina dos dias. 

Aqueles com quem nos cruzamos na vida e não desejamos voltar a ver não entram nesta equação. São circunstanciais estas pessoas e não nos fazem falta, apenas habitam os dias como o merceeiro ou padeiro que não conhecemos o nome ou o rosto e podemos substituir por outro prestador de serviços sem que isso nos afete a digestão. 

Não há amor/relação sem futuro... Mas a sua definição talvez seja mais o viver sem medo este abraço inteiro ao presente, na certeza que o futuro não existe fora do nosso coração. Afinal o coração é o único sítio onde os que amamos estão sempre em vantagem e de onde nunca (se) partem. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Ítaca doze anos depois...

Há doze anos marcava o dia do meu aniversário com um poema. Há datas que podem ser marcadas com a poesia e o poema de 2010 foi-me lembrado pela Neuza enquanto limpava a sua caixa de e-mail. Talvez eu intuísse, na altura, que começava um caminho novo, não sei ao certo nem tenho consciência disso, mas claramente alguma coisa teria de mudar e mudou. Enfrentei Ciclopes, Lestrogónios e até Poseidon irado e com eles aprendi mais sobre mim. Conheci-me e aceitei-me nessas tempestades e o mar acalmou.

Hoje compro "mercadorias raras e perfumes subtis de toda a espécie" e a viagem tem sido generosa na oferta de horizontes, aromas e sorrisos. Deixei de me apressar, sigo tranquila mesmo quando escondo sorrisos ou bocejos atrás de uma máscara.

Ontem voei para Bissau a bordo de um avião com o nome de Sophia de Mello Breyner (desde que deixaram de ter talheres de metal ou mantas de jeito o que gosto mais na TAP é darem nomes aos aviões), e não imaginam o sorriso que se me imprimiu nas entranhas.

Que a poesia nos salve e nos faça voar sempre. Ítaca espera-nos.

Deixo em baixo o poema do poeta grego do início do século XX, chamado Konstantinos Kaváfis. 


 ÍTACA

Quando partires de regresso a Ítaca,

deves orar por uma viagem longa,

plena de aventuras e de experiências.

Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,

um Poseidon irado - não os temas,

jamais encontrarás tais coisas no caminho,

se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime

teu corpo toca e o espírito te habita.

Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,

Poseidon em fúria - nunca encontrarás,

se não é na tua alma que os transportes,

ou ela os não erguer perante ti.


Deves orar por uma viagem longa.

Que sejam muitas as manhãs de Verão,

quando, com que prazer, com que deleite,

entrares em portos jamais antes vistos!

Em colónias fenícias deverás deter-te

para comprar mercadorias raras:

coral e madrepérola, âmbar e marfim,

e perfumes subtis de toda a espécie:

compra desses perfumes quanto possas.

E vai ver as cidades do Egipto,

para aprenderes com os que sabem muito.


Terás sempre Ítaca no teu espírito,

que lá chegar é o teu destino último.

Mas não te apresses nunca na viagem.

É melhor que ela dure muitos anos,

que sejas velho até ao ancorar na ilha,

rico do que foi teu pelo caminho,

e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.


Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.

Sem Ítaca, não terias partido.

Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.


Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.

Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,

terás compreendido o sentido de Ítaca.

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...