terça-feira, 21 de agosto de 2018

Alfarrabista...

O senhor António é um alfarrabista que costuma fazer entre outras, a feira de velharias em Colares, ao domingo. Um homem maduro com muita experiência e muitos livros. 
Atrás da sua banca queixa-se de que as pessoas não lêem. Quando lhe falo de outras formas de leitura, olha-me com cepticismo, para ele a internet é apenas uma ferramenta de consulta e não acredita nos livros lidos nos tablets. - Hoje as pessoas lêem menos, sim! 
Há uns anos fazia esta feira e só voltava com metade da mercadoria para casa, agora é diferente, um destes domingos apenas vendeu um livro por cinco euros, os Contos Exemplares da senhora dona Sophia. Sim porque Sophia de Mello Breyner Andersen é das poucas a quem se pode chamar senhora dona, há muitos, segundo o senhor António, que nem o nome merecem. Não me apeteceu aprofundar essa opinião e por isso deixei esmorecer o assunto. 
- Um dos problemas de hoje é o armazenamento, disse-me ele. 
Tem uma primeira edição de um Vitorino Nemésio que mantém perto de si para não ser tocado por qualquer um. Vejo que gosta de livros. Sabe o que tem e trata-os com amor. Tem coisas interessantes sim.
Na sua biblioteca de casa tem todos os Diários do Torga e digo-lhe que essa é uma das coisas que temos em comum, mesmo se, os meus diários, também devido ao problema de espaço, estão armazenados no sótão de um amigo. Os livros do negócio do Senhor António estão em garagens que eu imagino que ele gosta de encher e ao certo não consegue saber o que tem lá. Ainda assim continua a comprar. Esta semana comprou num recheio de uma casa uns quatro sacos, daqueles grandes de supermercado cheios de coisas boas, e eu imaginei que foi de lá que veio o Vitorino.
A banca está organizada por autores e isso facilita. Mesmo se não sabe de cor o que tem nas garagens, conhece os livros que andam com ele há meses e aqueles que chegaram ontem. Sabe o preço dos livros novos e envaidecesse com o estado impecável dos seus.
Como está no fundo da feira tem de fazer montra para chamar os clientes e por isso comprou um serviço de Limoges, não porque lhe interesse a porcelana francesa mas por estratégia comercial.

Perguntou-me se era adepta de presépios e com isso mostrou-me uma peça feíssima como se de uma relíquia se tratasse. Eu disse-lhe que, não só era adepta, como jogava nessa equipa, mas não estava à procura de presépios. Em alternativa mostra-me uns bonecos chineses de madeira, e um conjunto de figuras pequeníssimas da América Latina que comprou só porque gostou. Conhecia cada uma das peças expostas ou essa era mais uma forma de vender, e eu fiquei ali a ouvi-lo falar das suas coisas, a ouvi-lo a falar com os seus clientes. Voltará no próximo domingo e faz questão de dar motivos aos seus clientes para voltarem também.
Um dos problemas deste negócio é a liquidez, hoje ele precisa mesmo de fazer dinheiro por isso os livros que eram a oito euros passam a cinco. Falámos de promoções para escoar stock e falámos do Torga. Eu teria ficado ali mais umas horas a aprender com ele. Para a próxima volto para lhe falar do Appadurai e do livro sobre o Irão que lhe comprei. É assim que fazem os clientes habituais e por isso ele domina tantos temas e conhece tantos livros. Um dia quando tiver ido ao Irão passo lá para lhe contar como foi e para lhe dizer se o livro que trouxe da sua banca era mesmo bom. Por agora continuo a alimentar o sonho de conhecer por dentro o Irão mesmo se viajo para lá apenas nos livros que leio e nas pesquisas da Internet.
Obrigada senhor António, pela viagem. Até breve. 





segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Permanecer...

Andamos a tentar encontrar tantas coisas novas e surpreendentes, e as vezes o segredo é só permanecer.


Esta foi a grande lição da festa da aldeia do meu pai. Festa em honra de São Sebastião como pretexto de baile com organista e quermesse para as obras da Igreja dos Meios no Parque Natural da Serra da Estrela. 

Aprendi isto a dançar com o meu tio, com o José Teles, com a Ana, com a Angelina. Aprendi isso no sorriso e na calma da minha tia que me introduz como "a filha do Pedro" e na dedicação da mordoma que por promessa organizou a festa sozinha. 
Aprendi isto nas conversas com o Carlos, a Manuela, o Tó Bé, o Antero e com todos os que me sorriram ao som de um passado que me trouxe até aqui. 
Acolhi com espanto e sintonia uma herança que quero honrar, o gosto pela dança do meu pai, a alegria da minha avó que ao som do seu adufe animava as noites de São João. Uma memória construída é certo, construída na partilha com quem, sem me conhecer, me diz que sou daqui só de olhar para a minha cara, mesmo que não acredite na idade que lhe digo ter. Uma memória que construo olhando para o tear onde teceu o meu avô ou falando com uma menina que veio cedo encher canelas e mais tarde passou a urdir. Isto não se aprende em escolas ou museus nem se aprende com os nossos, aprende-se na casa que no fim da festa se abre para oferecer uma fatia de bolo (duas aliás) e sem olhar para o relógio insiste num brinde ao próximo ano, aprende-se nas conversas de café e com os cheiros do caminho.
Se não tivesse vindo, se não tivesse permanecido num baile que parecia terminar, se não tivesse dançado, sorrido ou conversado, nada disto seria possível. Se não tivesse permanecido esta história não permanecia em mim. Se não tivesse permanecido esta história não se teria construído, eu não me teria construído. Nada se teria perdido mas eu não teria ido um pouco mais ao encontro de mim.


25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...