sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Viajantes...







Uma tímida miúda de 19 anos, finlandesa, que não sabe o que estudar nem como cumprimentar com dois beijos e um abraço, e um historiador de arte espanhol que a vida transformou em professor de cozinha, viajam pelo mundo de bicicleta. Por acaso estão juntos no caminho, mas não o iniciaram assim, nem sabem que etapas se seguirão depois disto. Por agora pedem, em dupla, o visto para a Guiné-Conacri que alcançarão dentro de três ou quatro dias e procuram para os dois, um tecto por uma noite em Bissau. 

Ele começou a viajar de bicicleta ocasionalmente com o pai, aproveitando dois bilhetes baratos para Bari, ela é todos os dias chamada a casa pelo respectivo pai que a informa dos voos directos à partir dos países que pisa. 
Ambos fazem da bicicleta a sua casa, vivendo ao ritmo da estrada e dos acolhimentos que encontram. Nem sempre é fácil, nem sempre é difícil e por um mês ou um ano não pretendem atalhar caminho em lado nenhum.
Para mim este é o espanto da vida, de nos fazer cruzar com gente bonita e de me confirmar sonhos antigos. Terei um hostel um dia, terei uma casa de acolhimento de viajantes num conceito que ainda estou para descobrir e desenhar. A minha segunda experiência de coushsurfing (trazidas sempre por amigos), confirma-me o desejo e faz-me acreditar que tudo é possível! 
Durante alguns meses, vivi, em Lisboa numa casa com um quarto disponível, que representava, para mim, uma esperança animadora, materializada no acolhimento de amigos e de uma mulher suíça desconhecida de nome Bernadette de quem aprendi com a história de vida, admirei as viagens, de quem recebi companhia nos passos, ombro nas lágrimas e apoio nas gargalhadas. Ficámos amigas! Hoje, noutro continente, esta dupla improvável e tão funcional pela completa diferença alimenta os mesmos desejos. 
Rio com as histórias de quem recebe roupa interior de presente ao sair do banho numa aldeia perdida em Marrocos (Aguelmouss) e aceita com gratidão uma tanga mesmo só usando boxers. Admiro os sons e ritmos partilhados ou as aulas dadas em ONGDs que apoiam comunidades remotas, tal como a Bernadette. 
Nesta pausa por Bissau cozinhou-se bacalhau português com sabor a Guiné e pasta com sabor a mundo, descansou-se o corpo, lavou-se a roupa e arranjou-se o fogão de campanha que há-de alimentar o resto da viagem. 
Um dia terei uma casa grande com quartos para receber viajantes e com eles partilhar nutrição e sabores, conhecer mais este mundo belo que desejamos construir juntos, a partir de dentro com tudo o que se vê e faz por fora. 
Obrigada viajantes, boa viagem Juan e Sophie! 
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Visitem e acompanhem a viagem do Juanjo com muitas aventuras pelo continente africano a caminho da África do Sul: https://afrikakeke.wordpress.com/
Acompanhem também as Boleias da Marta que é adorável no caminho que faz e nas possibilidades de encontro que promove: http://www.boleiasdamarta.pt/

Aos meus amigos em viagem eu desejo bom caminho em especial à Maria João Freixo, ao João Lousada, à Bernadette. Ao Rui Daniel eu desejo que a escrita do livro lhe corra bem e nos faça viajar nas suas aventuras muito em breve. À Ana e ao Hugo eu desejo uma boa viagem na gestação e acolhimento do novo companheiro de caminho!

E aqui neste final de ano deixo por escrito os nomes e a profunda gratidão de quem me recebeu em casa com alegria e generosidade e me fez experimentar com todos os sentidos o quão importante e bom é a oferta de uma refeição preparada com amor, de uma cama lavada, de um sofá improvisado, de uma boleia segura, de um postal com o nosso nome ou de uma flor... Obrigada de coração à minha família que é grande e grandemente generosa, à Ana Limpinho, Ana Cristina Estrelo, Patrícia Raposo, Susana Mota, Maria João Freixo, Maria João Castelo, Marcel Steiner, Isménia, Ana Baptista, Hugo Dourado, Helga Esteves, Susana Fernandes, Carlos e Inês Azeredo, Rita Marques, Andreia Carvalho, Guilhermina Rebelo, Manuela Santos, Andreia Pires, Luís Osório, Sofia Baptista, Paula Oliveira, monges de Bose, Ângela Coelho, Graça Lameiro, Fausta Cardoso, Rui Sá, Cadidjato Candé, Filipa Gonçalves, Pedro Figueiredo, Marta Brites, TóZé... e tantos sorrisos que foram tecto e alimento generoso em tantos e diferentes caminhos. Obrigada de coração! Seguimos juntos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Cinema...

Entrei num cinema abandonado... Um cinema à porta do qual passo quase todos os dias, ao lado do qual já bebi muitas cervejas e "caipirinhas" e onde como a melhor maionese de alho do mundo, transportada em "espetadinhas" de porco ou batas fritas que na penumbra da noite me parecem um manjar dos deuses. Em qualquer outro sitio esta comida seria uma sensaboria, aqui é prazer, acompanhado com molho de malagueta e limão.
Há poucos dias, no caminho de casa, ganhei coragem e entrei num espaço privado sem ser convidada, sem ser acompanhada por ninguém, sem nenhum tipo de legitimidade que não fosse a minha curiosidade. Às vezes precisamos de muitos gestos repetidos por fora para tomarmos coragem para entrar no desconhecido...
Atravessei a porta aberta com a timidez que combato todos os dias, pragmática nos gestos e atenção nos sentidos.
Entrei primeiro numa antecâmara de tecto baixo e chão em mosaico de pedra, sete passos e três degraus depois estava de baixo do balcão de um cinema antigo. Passava o balcão e o tecto abria-se como se de um carro descapotável estivesse-me a falar. Apenas a metade da sala em direcção à tela tinha a estrutura coberta de telhas. O palco mantinha estendida uma tela branca com alguns rasgões como se a chuva nunca por ali tivesse importunado o tempo e apenas regasse a vegetação amante de cinema e vestidos com corte de princesa. Sentia-me a entrar numa cena do realismo fantástico sul americano e imagino-me ser uma personagem do Gabriel Garcia Marques ou da Isabel Allende encontrando poderes inatos e desconhecidos em mim.
Mas estou em África, numa África que não é assim tão una, estou na Africa Ocidental e nela, numa antiga colónia Portuguesa que hoje é um país jovem que se chama Guiné-Bissau.
À minha frente tinha um senhor que acabava de comer arroz com um molho que não identifiquei e me acolheu com os olhos. Deixou-me passar a proteção do balcão, pisar "céu aberto" e disse-me com a mão que podia entrar.
O espaço era definitivamente mais dele que meu e este acolhimento deu-me segurança aos passos e ânimo para o circular, pegar no telemóvel e fotografar. 
Passeava a minha personagem. Nestas alturas não me apetece falar, entro num espaço sem tempo e fico nele a gravitar desejando conhecer com os sentidos as histórias dos musgos, das manchas, dos buracos... E nisto dou de caras com o meu "anfitrião" que me diz: foi o 7 de Junho. 
Fico mais atenta e ele repete, 7 de Junho de 1998, com os olhos postos nas nuvens que se veem daqui.
É a única coisa que ele tem para me dizer, foi a guerra.
A única coisa que eu penso é que foi um cinema. 
O gesto que ele faz mostra bombas a cair, os passos que eu dou mostram cadeiras e imaginam pessoas de cores pastel sentadas a ver o Casablanca.
Como faz parte de mim, sorri-lhe, agradeci-lhe com os olhos, e usei as únicas palavras que me pareceram ajustadas para o momento, obrigada e boa tarde. Olhava para ele e pensava que estávamos os dois no mesmo sítio ao mesmo tempo e ambos víamos coisas diferentes.  Segui o meu caminho de volta à rua que me levaria a casa naquele fim de dia. 
Hoje não há nenhuma sala de cinema em Bissau, não há nenhuma tela estendida e sem rasgões e isso faz-me muita falta. O que imaginei daquele encontro com um desconhecido, é que para ele, a realidade é que hoje não há guerra em Bissau e que isso não lhe faz falta nenhuma.




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Check...


Há dias em que tens muito trabalho, em que tudo flui e tu consegues fazer mais itens do que aqueles que tens na lista de tarefas. E depois há aqueles dias quem que todos os checks estão dependentes, não sabes bem de quê ou de quem. Claro que nestes dias, diz a lei da produtividade que deves assumir com maior responsabilidade e energia tarefas que não são tuas, o pior é quando esses coincidem com dias em que a força não abunda e o teu corpo e a tua cabeça estão noutro sítio, num universo longe daqui.
Hoje é um dia destes, um dia em que me apetece namorar, dançar, beber uns copos com amigos! Posso dizer com clareza o que me apetece fazer, como, onde e com quem. Dias em que a cabeça é de vento e não há dor que me atrapalhe o sentir apaixonada pela vida. Dias em que há amor no ar, que não depende de nada nem de ninguém ao contrário dos checks que quero fazer nas minhas listas. 
Bom fim de semana!!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Vegetarianismo...

Hoje a empregada da casa onde vivo levou uma outra amiga para a ajudar! É comum este tipo de partilha embora eu tenha alguma dificuldade em me habituar a tantas formas de estender a roupa! Quando saía de casa, assim como que envolvida num mistério e aproveitando que eu passava ao seu lado com a efectiva, a auxiliar, perguntou-me a medo e em surdina se vegetariano era uma religião.
Eis uma pergunta surpreendente antes da oito da manhã, fiquei deliciada, e não fosse eu estar a caminho do trabalho, nós as três teríamos ali algum tempo de boa conversa! Por isso tentei resumir a resposta e perceber as motivações.
Não, ser vegetariano não é uma religião embora haja algumas religiões que promovam este tipo de alimentação. Confusas? Um vegetariano commumente não come carne de animais. Depois há aqueles que não comem peixe (que também são animais) e há ainda os que não comem nenhum alimento de origem animal como ovos, leite ou mel (bom aqui os olhos ficaram tão regalados que pareceu que eu confessei um crime horrível). Pode ser uma filosofia de vida e normalmente as pessoas optam por razões de saúde, respeito pelos animais, questões ambientais, de responsabilidade de consumo, gosto ou religião.
Elas ficaram caladas. Conhecem alguém que é vegetariano, mas pelas caras delas continuaram sem perceber as misteriosas razões que levam a essa opção e claro que a religião é a que mais facilmente apreendem. Claramente não lhes tirei todas as dúvidas, fui o mais clara que consegui mas apresentei uma realidade que pura e simplesmente não faz parte do seu referencial e eu nem sequer falei das dietas cruas ou por exemplo das minhas opções alimentares. 
Se alguém estivesse a filmar a cena e lhe tirasse o som, de certo a legandaria como uma reunião secreta de conspiração política, alimentava isto o facto de eu estar com uma dor de garganta monstra e de a Wiliana estar afónica. Afinal estávamos só a falar de opções e possibilidades de escolha que são lógicas e comuns nuns contextos e estranhas e desajustadas noutros. 
Adoro estas diferenças só me aborrece quando elas se reflectem em quase 15 euros por uma embalagem de Mebocaína, estou com esperança de conseguir o mesmo efeito com Moringa, afinal começa pela mesma letra!



25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...