quinta-feira, 18 de abril de 2019

Histórias e caminhos...

Na rua cruzo-me inconscientemente com histórias. Histórias que caminham, incógnitas, lado a lado com a minha, rostos e formas de andar aos quais imagino enredos, amores, superações e sonhos.
Depois descrevo-as nas conversas com os mais íntimos e só volto a mim quando a pergunta surge: isso é verdade? Não sei, nem sei o nome daqueles a quem construo passados, presentes ou futuros... Pouco interessa se a história é de facto assim, o que interessa é onde me levam os olhares e os passos daqueles com quem me cruzo, a quem sorrio e a quem desejo que sejam felizes.
A realidade, essa, tem nome e não se compadece com distrações. É preciso estar atenta para me lembrar que o sr. António começou a vender nas feiras há uns cinco anos depois de ficar desempregado, nunca antes se imaginou nesta vida e hoje não se imagina noutra. É um vício isto de comprar e vender... Ele lembrar-se sempre do objecto que eu peguei na última vez que conversámos. Quero lembrar de lhe perguntar, para a semana, como correu a viagem até ao Alentejo em que a filha se vai estrear na condução. Tirou a carta por estes tempos mas ainda não se atreve a acelerar pelas ruas de Lisboa. Por isso o Sr. António continua a ir buscar todos os dias a sua menina ao trabalho e não esconde o entusiasmo de ser conduzido por ela até à casa de família.
Também fiquei entusiasmada com o pretexto que o vai fazer não montar a banca no sábado, e para a semana vou saber onde os levou esta nova aventura automobilística. Isto se os motoristas de matérias perigosas não me atrapalharem as histórias que não invento. 

segunda-feira, 1 de abril de 2019

A Ana Teresa mandou uma mensagem...

Este foi um texto que eu li esta semana aos explicandos da mãe de uma amiga, eles têm entre 13 e 14 anos e vão ter de escolher a área de estudo no ensino secundário. 

Escrevo para a Carolina, para a Marta, para os dois Vascos e para o João,
Uma amiga que encontrei num dos muitos caminhos que percorri, e que já não via há anos, quase tantos anos como aqueles que tem a vossa memória, mandou-me uma mensagem pelo whatsapp, para um número de telefone que é muito mais velho que vocês. A mensagem era o convite para uma conversa com os cinco! 
Eu e ela nunca mais nos vimos, e apenas vamos mantendo o contacto fugaz e filtrado, das redes sociais, que tem como base os sorrisos e as conversas que trocámos nos meses que fizemos caminho juntas.
Queria a Ana Teresa, que eu partilhasse o meu percurso em 20 minutos. Fiquem a saber que uma das coisas que define uma amizade é a disponibilidade e eu arranjei disponibilidade hoje para mudar o contador da electricidade lá de casa e vir falar convosco com muita energia!
Vocês não mais se vão lembrar desta conversa, porque vão ter na vida muitas conversas interessantes que vão guardar nos sítios onde se guardam as coisas importantes, e esta não é de todo. Eu apenas gostaria de deixar lá duas palavras. Que quando saíssem daqui ou quando a vida vos colocar perguntas difíceis, pudessem lembrar-se destas duas palavras! Imaginam que palavras são essas? 

Uma é flexibilidade e outra é atenção.
Vou-vos contar resumidamente parte da minha história e vão ver que estas são duas das palavras que estão na base de tudo mesmo sem eu saber e são aquelas que eu desejo também nunca me esquecer.
Quando tinha a vossa idade não sabia em que queria trabalhar, "o que queria ser" como nos fazem acreditar quando somos pequenos, iludindo-nos que somos os que fazemos, e na verdade não somos, o que fazemos está sim, ao serviço do que somos! Somos muito para lá do que fazemos.
No sétimo ano decidi que queria ir para artes e esse agrupamento só tinha uma turma numa outra escola e era concorrido entrar na dita turma, na altura davam preferência às médias aos alunos da escola, então, com a ajuda da minha mãe, decidi mudar de escola no 9.º e entrar naquela onde no 10.º ano havia artes, nesse ano (no nono) a única vaga disponível era em desporto e por isso fiz o novo ano na turma de desporto (e foi bem diferente do que eu estava habituada), na esperança de isso me dar acesso no 10.º à área que me fizera mudar de escola. Assim aconteceu e eu terminei o secundário na área das artes, com boas notas e o corpo tonificado.
Depois estava um pouco perdida e quando estamos perdidos fazemos coisas malucas e eu concorri à Escola Superior de Teatro e Cinema para formação de actores, sem nenhuma base de representação e uma timidez do tamanho do mundo! Claro que não entrei e que foi muito penoso este processo. Mas foi ele que me mostrou que havia mais cursos naquela escola e no ano seguinte concorri para Realização Plástica do Espectáculo. Fiquei assim um ano a trabalhar em muitos biscates, a inserir inquéritos, a tomar conta de crianças ou a trabalhar num atelier de restauro. No ano seguinte, quando concorri ao "conservatório de teatro" (como os antigos chamavam), num concurso de admissão com provas na escola, concorri também à escola de restauro com provas também na escola e ao concurso geral de acesso ao ensino superior para cerâmica na ESAD das Caldas da Rainha. Três caminhos completamente diferentes. Sabem uma coisa? Entrei nas três escolas, nos três cursos e com boas médias! Tinha de escolher um. Escolhi a Escola Superior de Teatro e Cinema. E sou muito grata e feliz pelo que aprendi lá, mesmo não seguindo a carreira. Criei o meu próprio emprego em sociedade com outra pessoa e comecei a trabalhar em publicidade. Fiz muitas coisas diferentes na agência de publicidade e sonhei com outros, novos negócios e formas de trabalho colaborativo.
E como nada é definitivo 15 anos depois comecei uma nova carreira sozinha, voltei à escola, aprendo e faço coisas novas todos os dias.  Hoje não trabalho em teatro, nem em agências de publicidade, trabalho em comunicação para o desenvolvimento e em produção cultural. E sabem que mais? Acredito que os empregos onde vocês vão trabalhar ainda nem têm nome, ainda estão por criar, como acredito que eu vou fazer coisas que hoje nem imagino! E no intervalo tenho experiência de vários desportos, vender aspiradores, fazer censos, servir casamentos, baptizados e servir à mesa, mesmo se ainda preciso de aperfeiçoar a minha técnica de fazer cappuccinos hehheh!
Por isso miúdos bonitos, escolham uma área de que gostem, não se preocupem se é um curso profissional ou outro ramo de ensino, preocupem-se em ter prazer em aprender, e procurem divertir-se com isso! Tenham curiosidade, um pouco de disciplina e ocupem algumas das horas que passam a tentar passar de nível nas jogos que eu já não sei o nome, a fazer algum tipo de voluntariado, ou biscate, ou trabalho, nos bombeiros, no canil, na colectividade, no lar de uma tia mais velha, na igreja ou no mecânico da rua (para quem gosta de carros), foi com este pretexto que eu fui pedir trabalho ao atelier de restauro que falei em cima, e onde aprendi muitas coisas, ganhei uns trocos, fiz bons amigos e mantenho o gosto pela "bricolage".
Acima de tudo, mantenham tatuadas estas duas palavras na vossa memória e sejam alegres e criativos! Leiam mais, vejam programas de natureza, estejam abertos a mudar de opinião, a mudar padrões de consumo, a comer menos carne, a sorrir mais, a fazer coisas diferentes todos os dias, a aprender todos os dias!
Quais foram as duas palavras que vos falei em cima?
Flexibilidade e atenção!
Desejo-vos o melhor e que não tenham medo, sejam inteligentes e escolham um curso que gostem e que vos estimule a conhecer mais, a saber mais do mundo... Invistam tempo em saber mais de vocês próprios e invistam nas amizades. Garanto-vos que as amizades que fazemos na escola são muito mais importantes do possam imaginar. Assim, acredito que daqui a trinta anos, um amigo que já não veem há muito, vos mande uma mensagem e vos convide para contarem a vossa história a meninos com a idade que vocês têm hoje! Obrigada por fazerem parte deste futuro bonito que todos desejamos construir, a vossa felicidade é fundamental para ele. Boa sorte, bom caminho!

Sugestões de leitura para os próximos dias:


Conversas que tenho comigo

Há uns dias ouvi falar sobre públicos de cinema num sítio onde não há uma sala com programação regular ou onde os filmes não se apresentam ...