segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

2020

Bissau, 23 de Dezembro de 2020

À minha volta vejo a correria das festas! O frango congelado que se vende no supermercado por baixo de minha casa, ou é o mais barato da cidade, ou toda a gente come cafriela na ceia de Natal, tal é a correria. Eu cá aguardo que me chegue o bacalhau mandado pelos meus pais, que embora haja por aqui bacalhau e a logística seja mais simples, este ato simbólico e "trabalhoso" dá ao bacalhau, não só os nutrientes, como o sentido do Natal. Partilha e interdependência talvez seja a verdadeira vestimenta desta data, tanto para cristãos como para outros grupos. Uma das incoerências da vida é ser gregária e independente ao mesmo tempo (e defendo-me dizendo) nas doses certas!

Já não consigo quantificar o número de pessoas que me pediu dinheiro para "a festa". Não sei se é Natal por estas bandas animistas e islamizadas, mas que é festa, não tenho dúvida! E por isso, agora e por aqui digo: Boas festas!

Também não tenho dúvidas que as pessoas estão a comprar mais do que o costume, que o movimento aumentou, o Bandim é o "nunca visto" de movimento e gente aglomerada.
Diria naquele exagero das generalizações primárias e abusivas que todas as mulheres vão ter cabelo novo, todas as crianças vão ter sapatos novos e que todos vão comer frango.
São as festas que nos preparam para um novo tempo que à partida será igual ao ano anterior ou igual aos que o antecederam, também aqui há um AC e um DC, mas não tem a ver com uma nova era e não inaugura nenhum calendário. Se for pior que o anterior estamos tramados. Se um tal vírus não nos deixar ou se teimar em se tornar mais letal e contagioso nem sei adjetivar... Não sei se alguém arrisca prognósticos para o próximo ano, eu cá deixei de os fazer. Talvez a pandemia acabe, talvez piore ou talvez se mantenha numa previsibilidade esperançosa que nos acalenta a possibilidade de viver tentando passar entre os pingos da chuva.
Começamos o ano desejando o melhor mas cada vez mais conscientes do condicional. "Se" para ser ou ser "se" for possível!
Ao contrário do sentimento geral o meu ano de 2020 foi bom. Sou grata por ele. Talvez porque já tenha tido anos verdadeiramente maus...
Fiz coisas novas, experimentei novas sensações, alimentei e fui alimentada por amizades maravilhosas. Perdi algumas também, que deixei ir com tristeza e sem luta... Os meus mantiveram-se animados e de saúde. Conheci cidades pela primeira vez, gente nova e quase me apaixonei! Li mais que o habitual, escrevi coisas parvas, tirei livros de caixotes e fiquei muito tempo sozinha.
Apanhei um voo de repatriamento e experimentei a sensação de não estar nas minhas mãos a possibilidade de me deslocar entre fronteiras fechadas. Passeei cães que não eram meus e fui à telescola. Estive doente e vivi o caminho da cura, tive dificuldades, com elas aprendi ou ajustei-me e tornei-me (quero acreditar), mais forte e mais livre. Ri e chorei. Não emagreci, nem fiz exercício, mas não deixei de provar sabores novos. Fui a um casamento e a um baptizado. Tivemos a festa de ano da minha mãe.Vi duas vezes Sopro do Tiago Rodrigues/TNDMII e foi a "minha" a peça do ano, porque só a vi agora graças à internet (está disponível até dia 6 de Janeiro no site do Teatro Nacional), o meu filme do ano foi Breakfast at Tiffany's (1961, Blake Edwards), e até comprei uma Holly para me lembrar das contradições humanas tão bem interpretadas pela lindíssima Audrey Hepburn, o meu livro do ano foi Americanah de Chimamanda Ngozi Adichie. Para exposição elejo a Meet Vincent Van Gogh em Lisboa pois não foi um ano abundante para esta área e a exposição do Tim Burton no Museu da Marioneta soube a pouco.
Nem tudo o que desejei se realizou, nem tudo o que se realizou eu desejei e na maior parte dos momentos vivi consciente e serena. Vivi inteira nas viagens, nas camas emprestadas, nos abraços sem medo, nos sorrisos de máscara, no medo do "sem sentido", nos teatros, nos museus, nos jardins, nas igrejas... Sorri às bolhas nos pés que me mostraram horizontes novos em caminhos por dentro e por fora, aos concertos de jazz ao ar livre em pleno agosto que mais parecia janeiro pelo frio e pela distância, aos barcos que chegam carregados de peixe à praia da Caparica e assei sardinhas sozinha pela primeira vez. Sorri às lareiras que não fumam, às pernas de rã que se comem no Algarve, à água fria de São Pedro e à água quente de Varela, sorri às tartarugas que correm para o mar e às ilhas desertas que me acolheram. Sorri aos amigos que pude acolher em casa, os mensageiros de boas noticias, aos transportadores de obras de arte no fim das exposições e aos portadores de queijos e tintas para o cabelo.

Na Tapada das Necessidades conheci a história de um palhaço que se apaixonou no confinamento e ainda hoje recordo com emoção aquelas palavras ditas por uma boca pintada! Como fundo uma bandeira da Palestina e a vontade de querermos ser livres, termos direito ao nosso chão e podermos partilharmo-nos, amando e amando-nos. Isto resume o meu ano!! Um ano que globalmente deu mais votos ao Trump que nas primeiras eleições, mas ganhou o outro candidato com mais votos ainda, um ano que inaugurou uma pandemia mas no qual a ciência desenvolveu a vacina mais rápida da história. A pressão sobre o ambiente diminuiu e isto pode ajudar-nos a intuir novas formas de lidar com as alterações climáticas, com a produção, com o consumo, com a mobilidade e com os outros. Não sou ingénua ao ponto de pensar que tudo vai ficar melhor que dantes, mas sou-o ao ponto de alimentar a fé nessa possibilidade...
Obrigada 2020! Que venha um 2021 muito bom. O novo nunca me assustou muito.

PS
Caro 2021 preciso dizer-te que ainda não confio em ti a 100% e por isso já adiei alguns planos para 2022. Que tudo corra bem para nós ;-) Estamos juntos!!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Som

Estou "quase sozinha" numa ilha deserta, 35 graus e um mar Atlântico sereno pela frente. Estou ao lado de uns coqueiros enormes, não debaixo, que muito ouvi falar de cocos que caem em quem se habilita, pela gravidade, a embates desnecessários.

Estou deitada na toalha naquela espera preguiçosa que imprime no corpo o sol que o dourará para os dias dentro de um escritório.
Tenho os olhos fechados e o pensamento sem trela imaginando que não poderá fugir desta ilha a não ser que vá a nado, e por isso não irá longe, que não está assim em tão boa forma física.

Há uma brisa refrescante que é captada pelos pelinhos dos braços. Teimo conscientemente em não pegar no livro só para não sair do momento e é neste dormitar que ouço a brisa a mover as folhas dos coqueiros que se agitam. Lentamente e sem eu perceber bem de onde, a visão que o som me traz é a de uma tangível lareira a crepitar.
Não preciso do livro para sair daqui, basta não desligar os sentidos que logo a audição me traz uma fogueira também ela serena capaz de dourar memórias vestidas de gorro e luvas.
Nenhum, dos poucos trabalhadores desta pequena ilha, provenientes das ilhas vizinhas e habituados a cozinhar a carvão, alguma vez imaginou que o som dos coqueiros seja igual ao som da lenha de oliveira quando arde lentamente num fogo que aquece por dentro. Nem eu em frente a uma lareira imaginei que os coqueiros ao vento teriam o som que aquece pés frios.
Agora em qualquer um dos hemisférios poderei recordar bons momentos, e em qualquer um deles poderei viajar sem precisar de outra ajuda que não seja o silêncio para ouvir memórias e para construir memórias
. Em ambos os casos a cor de fundo é o dourado e o tom de fundo a gratidão.

PS
Para a minha querida Helena, que faz anos hoje, gosta de lareiras e tem saudades da África Ocidental :-*

25 de abril! Sempre!

Uma amiga que vai descer a avenida da Liberdade daqui a pouco e não é de missas, convidou-me para uma missa. Encontrando um padre amigo numa...