quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Ítaca doze anos depois...

Há doze anos marcava o dia do meu aniversário com um poema. Há datas que podem ser marcadas com a poesia e o poema de 2010 foi-me lembrado pela Neuza enquanto limpava a sua caixa de e-mail. Talvez eu intuísse, na altura, que começava um caminho novo, não sei ao certo nem tenho consciência disso, mas claramente alguma coisa teria de mudar e mudou. Enfrentei Ciclopes, Lestrogónios e até Poseidon irado e com eles aprendi mais sobre mim. Conheci-me e aceitei-me nessas tempestades e o mar acalmou.

Hoje compro "mercadorias raras e perfumes subtis de toda a espécie" e a viagem tem sido generosa na oferta de horizontes, aromas e sorrisos. Deixei de me apressar, sigo tranquila mesmo quando escondo sorrisos ou bocejos atrás de uma máscara.

Ontem voei para Bissau a bordo de um avião com o nome de Sophia de Mello Breyner (desde que deixaram de ter talheres de metal ou mantas de jeito o que gosto mais na TAP é darem nomes aos aviões), e não imaginam o sorriso que se me imprimiu nas entranhas.

Que a poesia nos salve e nos faça voar sempre. Ítaca espera-nos.

Deixo em baixo o poema do poeta grego do início do século XX, chamado Konstantinos Kaváfis. 


 ÍTACA

Quando partires de regresso a Ítaca,

deves orar por uma viagem longa,

plena de aventuras e de experiências.

Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,

um Poseidon irado - não os temas,

jamais encontrarás tais coisas no caminho,

se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime

teu corpo toca e o espírito te habita.

Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,

Poseidon em fúria - nunca encontrarás,

se não é na tua alma que os transportes,

ou ela os não erguer perante ti.


Deves orar por uma viagem longa.

Que sejam muitas as manhãs de Verão,

quando, com que prazer, com que deleite,

entrares em portos jamais antes vistos!

Em colónias fenícias deverás deter-te

para comprar mercadorias raras:

coral e madrepérola, âmbar e marfim,

e perfumes subtis de toda a espécie:

compra desses perfumes quanto possas.

E vai ver as cidades do Egipto,

para aprenderes com os que sabem muito.


Terás sempre Ítaca no teu espírito,

que lá chegar é o teu destino último.

Mas não te apresses nunca na viagem.

É melhor que ela dure muitos anos,

que sejas velho até ao ancorar na ilha,

rico do que foi teu pelo caminho,

e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.


Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.

Sem Ítaca, não terias partido.

Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.


Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.

Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,

terás compreendido o sentido de Ítaca.

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