quarta-feira, 6 de março de 2019

Vejo-te passar todos os dias...

O que escrevo em baixo passou-se em Bissau há umas semanas! E hoje estava aqui a pensar na vida que se cumpre e não se cumpre... A olhar para os últimos sete anos de uma história que conheço por dentro e veio-me este episódio à cabeça, como me vieram todas as pessoas que me amam, todas as que permanecem e todas as que habitam o meu coração (pelas quais sou tão grata e feliz).

Chegava a casa depois de um jantar de amigas carregada, sem sacos (porque os plásticos são coisas que evito e os sacos de pano nem sempre estão à mão), trazia as compras de artesãos locais nos braços e uma fatia de bolo que acompanharia o antibiótico tomado a meio da noite.

O guarda da casa abriu a porta, disse-me boa noite e informou-me que havia um rapaz que queria falar comigo! Eu, que não tinha visto se não as mesmas pessoas que costumam ver filmes no computador em frente ao meu portão, fiquei espantada! Já um dia a irmã de um amigo me esperara por horas, quem teria hoje aguentado até à meia noite o meu regresso a casa? 
Voltei à rua e ele apontou para um dos seguranças que se levantou com tranquilidade. Mantive-me na rua em pé com a minha trouxa nos braços, cumprimentei-o e fiquei de ouvidos. Eu e todos os guardas das casas da rua que se juntam ali para passar o tempo.
Disse-me que queria falar em privado, o que não é inédito, já a semana passada uma das mulheres que trabalha num projecto que eu acompanho me pedia, em privado, ajuda para chegar a Portugal. Convidei-o para o lado de dentro do portão e ele disse que se chamava António, que me via passar todos os dias, que eu sou uma mulher muito bonita, alegre e que gostava muito de mim. Por isso queria ser meu namorado. A conjugação dos verbos é minha interpretação livre para resumir a conversa, contudo o conteúdo era exactamente este. E depois disto ficou calado, como se me estivesse a vender uns metros de pano e agora era só preciso eu escolher o padrão.
Sorri-lhe meio aparvalhada porque não queria comprar nada e não fazia a mínima ideia o que responder... Estava grata a tudo o que trazia nos braços e que sentia como protecção de um amor que me era estranho e desconfortável. Abordagens destas não são novas e não há quem não tenha uma história num táxi, no mercado ou na vida do dia a dia! Mas de um "desconhecido" que me via todos os dias, sabia os meus horários e a minha forma de andar, pareceu-me um tanto ou quanto "original" e isso deixou-me desconfortável.
Se me distraio tenho a tentação de pensar que é possível que ele saiba mais de mim que eu própria, afinal isto também é terra de feiticeiros heheh!
Estendi-lhe a mão num "passou-bem", mais espantada com o pragmatismo que pela declaração.
Agradeci a coragem e a objectividade da abordagem e disse-lhe que já tinha namorado (que é como se resolvem as coisas aqui, não por opção mas por falta de espaço...) e disse também que naquela rua passam mulheres muito bonitas e que ele vai encontrar uma mulher que goste de verdade (descartando logo a veracidade daquele sentimento...).
Ele reagiu, não ao facto da possibilidade de eu ter namorado mas, ao facto de ele não estar interessado em mais nenhuma das mulheres que passavam. Claro que eu identifiquei logo esta minha velha mania de arranjar soluções para os problemas que não são meus... Só depois me dou conta desta reacção quase inconsciente e fico com vontade de morder a língua. - Estavas tão bem calada, digo para os meus botões.
Tocou-me o gesto deste homem. Esta coragem naif de alguém se dirigir ao desconhecido e simplesmente dizer-lhe: gosto de ti, quero ser teu namorado, "quero comprometer-me contigo". (Bom, claro que aqui o sentido de comprometimento é muito diferente do que eu estou habituada e isto é uma outra longa conversa que para o caso não interessa nada.) E também me tocou a minha tentação de quase lhe querer provar que ele estava enganado... E também para esta faz sentido olhar.
Confesso que nunca tinha visto o António, e nem imaginava que era vista por ele.
Nas minhas orações peço para o António o mesmo que peço para mim, que o amor o encontre e que ele se deixe encontrar. É o efeito que este acto de descaramento e coragem tem em mim.
Que dizer-lhe, se não, sorrir-lhe desejar-lhe uma noite feliz e todo o bem do mundo?
Falar-lhe que cada dia acredito mais que as relações precisam de fortes denominadores comuns, de propósitos que são maiores que a soma das partes e que para isso precisamos de ver e ser vistos... seria uma perda de tempo para ambos ainda para mais, estando eu tão carregada de tralhas, de febre e de sonhos!
Passei a cumprimentar o António sempre que passava por ele na rua, a sorrir-lhe e a tratá-lo pelo nome, e sempre que me cruzei desejei aprender com ele a não ter medo de dizer o que me vai no coração e a acreditar nos corações dos outros!

E depois de contar a história deste e doutro António à Marta ela escreveu:
"...aparecerão mil e um Antónios como as mil e uma noites mágicas em que te seja importante escutares essa voz de dentro: um grande Amor está em Ti! Entre TU e a tua Alma!! E nós os Anjos dançamos e celebramos contigo!!" 
Está tudo perfeito, não há falta alguma, os anjos, esses, veem-me todos os dias sem que eu tenha a capacidade de os ver ;-)





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