Tenho um caderno com notas… um caderno na cabeça que uso sempre que vejo uma coisa que me chama a atenção (e são tantas). Com o tempo vou conseguindo ficar cada vez mais imóvel a anotar, sem mexer um único músculo sem desviar o olhar sem sair do momento… Hoje no táxi o motorista, talvez ao ver-me assim tão imóvel e espantada a tirar as minhas notas, disse-me com um sorriso como que a explicar o que eu via:
- É África.
Eu sorri para ele e queria dizer-lhe:
- Não é África, não, amigo. É a Guiné-Bissau, mais que isso é Bissau, e mais que isso ainda, é a Rotunda da Chapa com o mercado da Fuca ao fim do dia. África não é isto, África é também isto. África é muito mais que isto e com isto se faz… Não amigo, isto não é África, África é muito maior.
A Fuca é o mercado da reutilização. O mercado dos Fardos em Moçambique e tantos outros que ainda não conheço… o comércio que elimina o excedente de uns e destrói a industria de outros.
Os do norte pensarão descansados e felizes: Que bom que alguém acaba por gastar as solas dos sapatos que pouco usámos, ou as camisolas de inverno que passaram de moda…
À luz de lanternas apregoam-se chinelos e gorros a “cenfran” e passa gente curiosa em tocar e experimentar a mercadoria que se amontoa no chão em cima de plásticos rectangulares que ocupam todo o passeio.
Retenho aquela azafama-me que surge com as primeiras estrelas e provoca o engarrafamento na Chapa. Respiro com dificuldade tal a concentração de dióxido de carbono no ar, volto ao meu caderno e permaneço imóvel, não vou dizer nada ao taxista, mantenho-me a olhar e rabisco milhões de contradições até que o carro começa a andar mais rápido e me esqueço de tudo, desejosa da aula de yoga e dos alongamentos que me farão entrar no silêncio de mim.
Um armazém ao serviço da curiosidade e da alegria... da curiosidade por tudo, da alegria por encontrar o que é meu ou aquilo que me espanta os sentidos. Um armazém da vida ou da parte dela que faz sentido partilhar.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2017
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