Quanto mais ando por São Paulo mais me parece uma imensidão, talvez porque a minha visão é condicionada por ter vivido sete anos num país com cerca de dois milhões de habitantes (um bairro aqui facilmente tem essa quantidade), ou por estar habituada a centros urbanos que percorro a pé, este parece-me um centro fora de escala ou com escala de gigantes. Gigante, aqui, é o número de pessoas.
Um armazém ao serviço da curiosidade e da alegria... da curiosidade por tudo, da alegria por encontrar o que é meu ou aquilo que me espanta os sentidos. Um armazém da vida ou da parte dela que faz sentido partilhar.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2022
Gente (São Paulo 2022)
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
Terra
Durante muitos anos nesta altura os meus pais visitavam dois cemitérios e honravam os seus pais, e nossos avós, enquanto eu e os meus irmãos ficávamos em casa a aproveitar a autonomia de adolescentes.
Este ano em honra dos meus mortos passo o dia de mãos na terra a afundar raízes, pois acredito de alguma forma as raizes se tocarão e insprarão os corpos a crescerem em direção à luz.
Ligo a terra ao céu antes de uma grande viagem. Deixo as árvores crescerem sozinhas enquanto eu viajo da mesma maneira.
No fundo queremos o mesmo, voar e chegar mais fundo... Que seja uma bela e óptima viagem para nós, queridas árvores.
Se tudo nos correr bem hei-de-me sentar à vossa sombra, agradecendo aos vivos e aos mortos o chão, a história e o tempo que nos faz maiores todos os dias.
terça-feira, 19 de julho de 2022
Escola de ouvido
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmKXyhYBPd1o95cQE5YNIFMuzkhhb8IULq17wsvNpFdFYpWOfb2r0NFLT3HP6-fwE9lokgDMdsDtnWoRc1-fM3AF7ysaECjboVL4yiKK4k9p5dy-16uzocB8zem2rPPxXR67lTpRN5KPAmmYHmwqeswAebJHeM2uXekj5RgneidxXTnbZgzuNNjMfP/s320/IMG_20220703_182243.jpg)
Hoje inventei uma "escola de ouvido". Uma escola em que os alunos sentados da forma como entenderem aprendem de olhos fechados o som dos passáros que anunciam o amanhecer, aprendem a distinguir um rouxinal de uma rola, aprendem de ouvido a cor das aves e o movimento dos animais selvagens.
Aprendem a distinguir um didjirudú de uma flauta, um cravo de um piano e com isto aprendem o tempo de demorou a chegar de um ponto a outro.
Aprender os ritmos do djambé em contraponto com os timbalos e descobrem que se podem afinar instrumentos de percussão com sol ou com chaves de metal.
Aprendem que nem sempre existiu saxofone e com ele descobrem caves escuras onde se fazia música.
Aprendem de ouvido a distinguir Viena de São Francisco, os aborisnes australianos dos indios da amazónia. Pelo som descobrem tempos e espaços, rituais e vulcões. Sobem às montanhas dos Andes ou descem ao Mar Morto ao mesmo ritmo do ar rarefeito ou da densidade do sal.
Distinguem a lingua dos clics, o mandarim ou o russo, com a mesma facilidade que distinguem um tecido de algodão, seda ou lã. Ouvem falar de epopeis e nelas encontram Cavalos de Pau cujo interior, em silêncio, permitiu ganhar a guerra.
Aprendem a distinguir poesia de prosa pelo ritmo das palavras e vão saber que nem tudo o que rima é poético e que também há narrativas escritas em verso.
Aprendem de ouvido o som dos passos com chinelos, salto alto, ou o simples ranger dos pés na areia molhada.
Não pensem os mais distraídos que não há testes nesta escola, porque os há. Os estudantes distinguem-se uns dos outros pelos sons e cada um deles partilha o som que mais gosta naquele momento e os outros adivinham de onde vem, e assim distinguem música barroca de música electrónica, jazz de blues, Bowie de Bjork.
Vai ser giro quando um deles decobrir um som novo que não está catalogado na memória e aí serão eles em conjunto a fazerem a história. Desses sons havemos de ouvir falar no futuro e espantar-nos-emos com a capacidade que os alunos têm de criar em conjunto, só porque aprenderam a ouvir.
Uns tornar-se-ão observadores de pássaros, uns músicos, outros afinadores de pianos, uns serão locutores de rádio, outros professores, uns serão pais de familia e outros serão viajantes solitários, não consigo imaginar o quanto farão tantos deles, sei apenas que a grande maioria será muito feliz.
terça-feira, 31 de maio de 2022
A chuva choveu.
terça-feira, 24 de maio de 2022
Diz-me tu, de onde sou?
Muitas vezes me perguntam de onde sou. Não se responde a uma pergunta com outra pergunta, mas tantas vezes me apetece devolver com: Diz-me tu, de onde sou.
Não perguntamos "de quem somos" porque seria vermo-nos como posse de um outro, seria equiparar-nos a objecto possuído. Porque é que temos de ser posse de algum território?
Claro que temos gente em nós, como temos chão em nós. Temos um chão que nos viu nascer e talvez não sejamos de lá porque as "nossas gentes" apenas o pisavam por acaso. Temos gente que nos viu nascer e talvez não sejamos delas porque encontramos outros com quem pisámos mais chão ou descobrimos mais caminhos.
Secretamente quero ser do bem, do bom e do belo... O resto, se tem coordenadas geográficas, laços de sangue ou heranças, é só acessório deste território social composto por tempo, espaço, tradições, língua, ofertas de consumo, fruições de diferentes tipos, tradições no mesmo número, educação, poder de compra, etc.
Uma certeza eu tenho, não sou de um ponto, sou de uma circunferência que alarga todos os dias como quem se espreguiça, num desejo constante de amplitude e elasticidade. O céu une isto tudo. Da próxima vez que me perguntarem, talvez responda: sou do céu... E aí volto a ter problemas porque o céu não é um lugar de vivos. Mas conseguiríamos viver sem céu? Não me parece.
segunda-feira, 16 de maio de 2022
Sábado à noite
domingo, 3 de abril de 2022
Abraço
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
Insta...ntes
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
Meias e chocolates
Quando tenho mais dificuldade em me perdoar, consulto a aplicação que monitoriza o ciclo menstrual, se percebo que o problema não é hormonal então dedico-me a ele.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Tomate
Saí do escritório já muito depois daquela que é a hora definida para o almoço em contexto ocidental. No caminho espreitei as redes sociais e encontrei um post do Rui que dizia: "Por vezes temos de parar de buscar, para que aquilo que procuramos nos possa encontrar". Sorri porque é sexta-feira da segunda semana de trabalho do novo ano e as inspirações são bem vindas. A verdade é que a inspiração que tento seguir não é assim tão popular em posts e circunscreve-se à tentativa de deixar de comer açúcar, esta torna-se ainda mais romântica no momento em que lambo os dedos depois de comer um duchesse, mas isto não vem para o caso e serve só para alentar quem tenha o mesmo propósito ou lembrar só mesmo o propósito.
Ao almoço esperava-me uma posta de peixe cozida com limão, palha de cebola (como se diz aqui) e alho. Juntei um pouco de konjac e enquanto aquecia, abri a gaveta dos legumes. Verbalizei o que me apetecia: nesta paleta esbranquiçada ficava mesmo bem um tomate vermelhinho. Não havia tomate e os verdes tinham acabado no jantar anterior, havia couve lombarda não arranjaria a tempo para a fome que me habitava e para aquele intervalo de almoço. Podia descer as escadas e ir comprar à rua, mas o relógio não ajudava.
Conformei-me com o peixe que depois de aquecido cheirava bem, eu sabia saboroso e que me nutriria. Ainda assim, por nenhuma razão que não seja o hábito quando nos falta alguma coisa, abri a porta principal do frigorífico e na prateleira de cima estava a minha taça preferida com folhas de alface fresca lavada e um pequeno tomate, tal e qual o havia visualizado momentos antes.
Pulei, quase chorei de emoção, mas o que mais ressaltou foi a ternura e a gratidão para com a Deolinda (que ajuda aqui em casa pelas manhãs) ter olhado para o peixe cozido, ter visto a gaveta dos legumes vazia, e ter retirado do seu parco avio, (feito no mercado antes e vir trabalhar), um tomate e um pouco de alface que desinfetou e deixou pronta a comer para quando eu chegasse. Que alegria esta. Que satisfação comer aquela salada. Que generosidade aquele gesto de quem tem muito menos na dispensa e ainda assim partilha sem reserva.
Lembrei-me das palavras do Rui e imaginei ter deixado que aquele tomate me encontrasse.
Na vida acontecem muitos milagres, a maior parte deles não vemos, eu estou muito feliz por ter experimentado este. Soube muito bem, literalmente.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2022
Partidas...
Quando se vive uma realidade de grande mobilidade de pessoas essa é a grande prova de resistência. Há quem se escude no "não quero mais amigos" para evitar o sofrimento da separação ou do vazio. Há quem deixe de ter paciência para investir nos "novos" outros que chegam, não por medo da separação para pelo cansaço que é voltar a apresentar-se ao outro, ou descobri-lo, ambos os movimentos exigem energia, confiança e esperança.
Volto ao princípio, quem parte vai sempre em vantagem porque vai construir, vai à descoberta. Quem fica, terá de recriar o vazio a partir de si. Se se vai embora o nosso companheiro das caminhadas que sentido daremos aos novos passos? Se se vai embora a nossa companhia nos cozinhados que sabor daremos aos novos pratos?
É possível que já tenhamos caminhado ou cozinhado sozinhos, talvez voltemos a rotinas antigas, mas talvez tenhamos descoberto juntos coisas bonitas que agora teremos de reinventar. Enquanto quem parte constrói novas rotinas no desconhecido, quem fica terá de as construir a partir do conhecido, do experimentado, do gostado. Por isso nos faz tanta falta aquele que habitou connosco um determinado espaço/tempo que nunca se repetirá.
Se a vida não nos faltar, vamos mantendo o contacto, pelas redes sociais, que nasceram exatamente para colmatar esta necessidade de continuidade e comunicação que temos ou desejamos. Vamos encontrar-nos passados uns meses/anos e no encontro ficará a ideia que ainda "foi ontem" que nos separamos. A memória passará a ser alimentada pelo extraordinário do momento em vez da rotina dos dias.
Aqueles com quem nos cruzamos na vida e não desejamos voltar a ver não entram nesta equação. São circunstanciais estas pessoas e não nos fazem falta, apenas habitam os dias como o merceeiro ou padeiro que não conhecemos o nome ou o rosto e podemos substituir por outro prestador de serviços sem que isso nos afete a digestão.
Não há amor/relação sem futuro... Mas a sua definição talvez seja mais o viver sem medo este abraço inteiro ao presente, na certeza que o futuro não existe fora do nosso coração. Afinal o coração é o único sítio onde os que amamos estão sempre em vantagem e de onde nunca (se) partem.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2022
Ítaca doze anos depois...
Há doze anos marcava o dia do meu aniversário com um poema. Há datas que podem ser marcadas com a poesia e o poema de 2010 foi-me lembrado pela Neuza enquanto limpava a sua caixa de e-mail. Talvez eu intuísse, na altura, que começava um caminho novo, não sei ao certo nem tenho consciência disso, mas claramente alguma coisa teria de mudar e mudou. Enfrentei Ciclopes, Lestrogónios e até Poseidon irado e com eles aprendi mais sobre mim. Conheci-me e aceitei-me nessas tempestades e o mar acalmou.
Hoje compro "mercadorias raras e perfumes subtis de toda a espécie" e a viagem tem sido generosa na oferta de horizontes, aromas e sorrisos. Deixei de me apressar, sigo tranquila mesmo quando escondo sorrisos ou bocejos atrás de uma máscara.
Ontem voei para Bissau a bordo de um avião com o nome de Sophia de Mello Breyner (desde que deixaram de ter talheres de metal ou mantas de jeito o que gosto mais na TAP é darem nomes aos aviões), e não imaginam o sorriso que se me imprimiu nas entranhas.
Que a poesia nos salve e nos faça voar sempre. Ítaca espera-nos.
Deixo em baixo o poema do poeta grego do início do século XX, chamado Konstantinos Kaváfis.
ÍTACA
Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria - nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho até ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Arte de guerrilha que me faz sair do casulo.
Dei dois mil quinhentos e oitenta e nove passos até me sentar num café com nome inglês e pedir um “croissant” com queijo e um abatanado chei...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtTWeQDIp4XfvQRDyTLyQtnPuFwXVb-iib_RtZR8jotmJokZXYEBujXF41NZWGtIopI45dZs3nelHv9NUwanI2A4vBiSlgsqeJFZvd9cnJ9NsSUHjn6bPQN43O88uXoMt-A-YkUvhWtTxKKJpY5gXjwTb8lxs5s_uihqghSx7Jb8j5Hq6U48-Maskm7ag/w400-h225/IMG_20250203_123657.jpg)
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O espectáculo que Mónica Calle apresentou ontem no Lux foi para mim a materialização da insistência. Insistência não será sinónimo de osti...
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Estava perto da nascente do rio, subira até lá à procura das alturas e das águas frescas. O jantar foi canja de pombo caçado na manhã daquel...