quarta-feira, 8 de março de 2017

Estações...


No sítio onde estou, António Vivaldi não teria escrito um concerto para piano e orquestra a que chamou Quatro Estações e os seus conterrâneos não teriam "inventado" uma pizza do mesmo nome para se saciarem e agradarem a todos os comensais. 
No sítio onde estou existem duas estações, a estação das chuvas e a estação seca. Não há misturas nem confusões.
Na Guiné-Bissau, numa estação chove e noutra não.
Dividir o tempo em dois requer outro alinhamento mental, outra forma de ver ritmos e cores. É a geografia e o clima a modelar a mente e o corpo, para uma forma de ser que se faz ao som de koras, balafons, djambés e tinas em vez de violinos e orquestras. 
E quando chove na estação seca? 
Quando, contra todas as probabilidades ou todas as certezas chove em Fevereiro? 
Aí os homens grandes dizem que é "chuva antiga", chuva que não foi chovida no seu tempo. Chuva que vem cumprir-se.
É chuva que vem estragar as mangas, apodrecer o arroz que descansa seguro no campo a céu aberto depois de ter sido apanhado. É chuva que espanta e apanha toda a gente desprevenida porque esta gente confia no ritmo binário de se ser.
Quando vejo chover em Fevereiro penso de outra maneira. Penso que é chuva da que há-de vir, chuva que veio à frente ver a terra da qual tinha saudades mesmo que isso estrague a surpresa do dia que marcou vir em Junho. Quando vejo chover aqui, na estação seca, sinto o mesmo quando vejo um dia de Sol quente e seco na minha terra em pleno Inverno, imagino que esse dia traz cumprimentos da Primavera e será prenuncio do que há-de vir. Nunca, restos do que já veio como sussurram os homens grandes.
A chuva antiga está tão fora de mim como a alemã rosada que encontro em biquíni na praia de Albufeira no mês de Fevereiro.
E fico-me aqui a saborear a sabedoria da chuva antiga, da chuva não chovida de que fala, quem sabe coisas que eu não sei. Da chuva que vem do passado, que estraga o ritmo dos homens só para se cumprir. Porque o bem maior é cumprir-se e nunca deixar de se chover. Mesmo que se venha tarde. Mesmo que se tenha perdido o comboio que partiu em Novembro... Claro que aqui não há comboios. 

Imagino que nesta sabedoria antiga as despedidas são muito mais significativas que os encontros. A morte muito mais mágica que a vida! O fim muito mais importante que o principio. 
Isto ninguém me disse, foi a "chuva antiga" que me inspirou.












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