Bissau, 23 de Dezembro de 2020
À minha volta vejo a correria das festas! O frango congelado que se vende no supermercado por baixo de minha casa, ou é o mais barato da cidade, ou toda a gente come cafriela na ceia de Natal, tal é a correria. Eu cá aguardo que me chegue o bacalhau mandado pelos meus pais, que embora haja por aqui bacalhau e a logística seja mais simples, este ato simbólico e "trabalhoso" dá ao bacalhau, não só os nutrientes, como o sentido do Natal. Partilha e interdependência talvez seja a verdadeira vestimenta desta data, tanto para cristãos como para outros grupos. Uma das incoerências da vida é ser gregária e independente ao mesmo tempo (e defendo-me dizendo) nas doses certas!
São as festas que nos preparam para um novo tempo que à partida será igual ao ano anterior ou igual aos que o antecederam, também aqui há um AC e um DC, mas não tem a ver com uma nova era e não inaugura nenhum calendário. Se for pior que o anterior estamos tramados. Se um tal vírus não nos deixar ou se teimar em se tornar mais letal e contagioso nem sei adjetivar... Não sei se alguém arrisca prognósticos para o próximo ano, eu cá deixei de os fazer. Talvez a pandemia acabe, talvez piore ou talvez se mantenha numa previsibilidade esperançosa que nos acalenta a possibilidade de viver tentando passar entre os pingos da chuva.
Começamos o ano desejando o melhor mas cada vez mais conscientes do condicional. "Se" para ser ou ser "se" for possível!
Ao contrário do sentimento geral o meu ano de 2020 foi bom. Sou grata por ele. Talvez porque já tenha tido anos verdadeiramente maus...
Fiz coisas novas, experimentei novas sensações, alimentei e fui alimentada por amizades maravilhosas. Perdi algumas também, que deixei ir com tristeza e sem luta... Os meus mantiveram-se animados e de saúde. Conheci cidades pela primeira vez, gente nova e quase me apaixonei! Li mais que o habitual, escrevi coisas parvas, tirei livros de caixotes e fiquei muito tempo sozinha.
Apanhei um voo de repatriamento e experimentei a sensação de não estar nas minhas mãos a possibilidade de me deslocar entre fronteiras fechadas. Passeei cães que não eram meus e fui à telescola. Estive doente e vivi o caminho da cura, tive dificuldades, com elas aprendi ou ajustei-me e tornei-me (quero acreditar), mais forte e mais livre. Ri e chorei. Não emagreci, nem fiz exercício, mas não deixei de provar sabores novos. Fui a um casamento e a um baptizado. Tivemos a festa de ano da minha mãe.Vi duas vezes Sopro do Tiago Rodrigues/TNDMII e foi a "minha" a peça do ano, porque só a vi agora graças à internet (está disponível até dia 6 de Janeiro no site do Teatro Nacional), o meu filme do ano foi Breakfast at Tiffany's (1961, Blake Edwards), e até comprei uma Holly para me lembrar das contradições humanas tão bem interpretadas pela lindíssima Audrey Hepburn, o meu livro do ano foi Americanah de Chimamanda Ngozi Adichie. Para exposição elejo a Meet Vincent Van Gogh em Lisboa pois não foi um ano abundante para esta área e a exposição do Tim Burton no Museu da Marioneta soube a pouco.