Um destes dias uma historiadora com uma vida cheia de histórias disse-me em pleno tchon di Guiné, que não percebia as pessoas que se tatuavam. Disse-me que não percebia a moda, que nunca a percebeu.
Talvez a tenham marcado as descrições da PIDE e as buscas de sinais distintivos para identificar indivíduos suspeitos. Na juventude fora militante de partido Maoista e acérrima lutadora contra o regime, cedo percebeu enquanto investigadora, que as tatuagens não eram uma mais valia para ninguém, principalmente para quem vive a resistência ou a clandestinidade. É uma visão curiosa, esta, a de se resguardar de uma identificação fácil dos PIDES.
Desconhecia ela que no meu corpo habitavam desenhos. Não tenho a memória de nenhuma polícia política, e as tatuagens para mim são uma forma de o corpo me contar histórias, de o ver com cor e formas que gosto e me falam da minha história e de alguns momentos que elegi. São talvez como cicatrizes que faço conscientemente num determinado contexto. Nunca fiz uma tatuagem só por fruição plástica. Até gostava, confesso, mas ainda não me aconteceu. Há sempre uma intencionalidade de contexto, uma marca que quero deixar em mim, uma história minha e da qual só eu sei o enredo.
A última que fiz foi para marcar um novo tempo, redesenhando sonhos do passado. A base é a antiga contudo o envolvimento é fluído e agora é uma forma orgânica, feminina, mais bela, mais minha. É assim também que vejo o novo momento em contraponto ao antigo sobre o qual edifico uma nova e pulsante natureza.
Esta mesma senhora, e nova amiga, perguntou-me com muita naturalidade se tinha namorado ou namorada. Achei tão querida a pergunta e desejei ter eu a mesma naturalidade para a fazer aos futuros desconhecidos com quem me cruzar. Uma outra pessoa, bem mais nova, perguntou-me hoje e sem mais nenhum enquadramento, em que trabalhava o meu marido. Eu ri e apeteceu-me responder, ainda não sei, não o conheço!
Mas depois não fosse ela achar tonta a resposta, respondi claramente que não tinha marido, e à cara de surpresa atalhei, para fim de conversa que vivia sozinha, o que nem sequer é verdade pois se há coisa que eu não vivo, de todo, é sozinha. Enfim, andamos todos a tentar ler-nos, saber-nos, desenhar-nos... Mas não há tatuagem, nem resposta que nos defina ou nos apresente. Há coisas que só o tempo permite ler ou ver, como na história.
Um armazém ao serviço da curiosidade e da alegria... da curiosidade por tudo, da alegria por encontrar o que é meu ou aquilo que me espanta os sentidos. Um armazém da vida ou da parte dela que faz sentido partilhar.
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Tatuagens são simbologias ancestrais...umas feitas de tinta que pode ser retirada enquanto outro ritual não chega. Outras são para ficar, para serem marcas, registos de momentos a perdurar...
ResponderEliminarÉ isso! :-* Gosto muito de ver aqui!! Obrigada por vires. Mil beijos.
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