Cheguei a Bissau de noite, bem de noite. Um dia acabava de terminar e outro tinha origem na escuridão, o sol esse só despertaria daí a uma mão cheia de horas.
Por uma noite ficaria num quarto de hotel, o meu primeiro quarto de hotel em Bissau depois de dois anos a viver ao lado do Jeba.
Era uma experiência nova que vivia com atenção. O quarto com preço de várias estrelas, pouco brilhava, mais parecia uma pensão de filme antigo.
A última coisa que perguntei ao recepcionista foi a password da Internet e segui com a chave na mão.
Abri as malas para retirar o essencial, pijama, escova e pasta dos dentes, sabonete e a roupa do dia seguinte. Tudo arrumado em sacos de pano e bolsas de fecho ajudava a tarefa, rapidamente estava pronta para pegar no telefone e dar notícias ao mundo.
Tentei a pass, que pela simplicidade, trazia na cabeça, por uma e outra vez. Nada funcionava. Experimentei de várias maneiras e nada. Deixei o cansaço no quatro, atravessei o corredor, desci dois lances de escadas e voltei a acordar o recepcionista. Não consigo aceder à Internet. Ele olhava para mim e repetia que a pass wi-fi era aquela. Uma e outra vez tentei à frente dele e nada acontecia, dava sempre sinal de incorrecta, mostrava-lhe a mensagem e todos os procedimentos e ele continuava a olhar para mim como se o problema fosse meu. Pedi para falar com alguém que ajudasse. Nada... A password é essa. A verdade é que não era e ele não podia fazer mais nada a não ser repetir como uma cassete um conjunto de letras e número que o telemovel rejeitava. Fiquei aborrecida. Pedi para me resolver a situação, mas segundo o homem que tinha à frente, não havia nada para resolver. Insisti, apelei ao bom senso, mostrei-lhe o meu lado, a minha frustração... Lutei pela net que nunca me chegaria. Desisti conformada com a ideia de dormir mais cedo. Fui deitar-me sim, mas não adormeci mais cedo, porque a excitação do dia fervilhava em todas as veias mais que o calor húmido do qual a pele se tinha esquecido, virei para um lado, para o outro... Os barulhos, os cheiros, o desconhecido, tudo se juntava ali e mantinha-me desperta. Não sei a que horas adormeci.
Acordei cedo. Tomei banho, vesti-me, fechei as malas e desci para o pequeno almoço. Meia dúzia de chávenas, água quente, leite, um concentrado de sumo de laranja, dois croissants, metades de "cuduro" (um tipo de baguete), pacotinhos de manteiga e algumas fatias de fiambre.
Desejei fruta fresca e um copo de água. A fruta percebi ser uma missão difícil, mas pela água perguntei. O mesmo recepcionista da noite, que era agora chefe de sala, disse que não havia. Podia comprar por "mil fran". O olhei para ele, pequei na carteira e dei-lhe o dinheiro.
Antes da água chegar para me arrefecer o chá e matar a sede, pensei que não reclamei nada da água. Não insisti que deviam ter água para os hóspedes da mesma forma como tinham leite ou sumo manhoso. E veio-me à cabeça a noite anterior. Pela net voltei a sair do quarto, mostrei o meu ponto de vista. Reclamei uma expectativa em relação a um serviço... Agora com a água, que é muito mais essencial que a net ou faz melhor que o leite ou o concentrado de sumo... Com a água, pequei na carteira e paguei mil francos sem reclamar. Sem mostrar ao senhor o quanto é básico arrefecer o chá com água fria ou quanto gosto de beber um copinho de água pela manhã.
Enfim, lutamos pelo que queremos e nem sempre lutamos pelo essencial.
Dá-me tanto jeito a net, mas o que me faz mesmo falta é a água.
Um armazém ao serviço da curiosidade e da alegria... da curiosidade por tudo, da alegria por encontrar o que é meu ou aquilo que me espanta os sentidos. Um armazém da vida ou da parte dela que faz sentido partilhar.
terça-feira, 25 de setembro de 2018
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Fim...
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Quero que nem o meu nome saia da tua boca, que não mais o lembres, pronuncies ou escrevas e acredita que eu farei o mesmo com o teu. Para mim serás para sempre um falecido.
Quando pressentires que venho numa rua, atalha caminho e segue em direção oposta, acredita que eu farei o mesmo.
Quando digo nunca mais é mais que nunca. Quando souberes que eu morri peço-te que nem ao meu funeral compareças.
Se de outras vidas viemos, em mais nenhuma nos voltaremos a encontrar. Porque é de morte real que aqui falo. Não mais seremos amigos, nem conhecidos nem nada. Não mais seremos nada um para o outro, e essa é a única alegria desta história e tem um nome, chama-se liberdade, tem um sentimento e chama-se paz.
Quando digo nunca mais é muito mais que nunca, é para sempre. E agora posso dizer o quanto isso é bom. Sem adeus, sem nada.
Finalmente.
Fim.
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