Recebi uma mensagem via facebook de uma pessoa que fez parte das minhas turmas do sétimo e oitavo anos, sem memória de encontros posteriores. Reconheceu-me numa publicação de um evento em que participei mais de trinta anos depois de uma adolescência em que não cabíamos no corpo que vestia roupas demasiado largas.
Ontem à noite no Uber que me trouxe àquela que é, cada vez mais, a casa dos meus pais e menos a minha, tive uma surpresa sem medida. Sou conduzida pelo namorado recente de uma amiga que a meados nos anos 90 me emprestava os livros que eu devorava com prazer e de cuja biblioteca eu li todos os volumes das Brumas de Avalon, numa juventude em que sonhava ser adulta desejosa de sair das borbulhas e do invólucro desconhecido que não se ajustava a nada e no qual não me reconhecia.
Às vezes o passado encontra-nos sem nos darmos conta. E tal como os monstros ou os medos é bom olhá-lo frente.
Cumprimos-nos neste hiato e voltamos às vidas uns dos outros para lembrar que neste caminho de alguma forma seguimos fiéis a alguns sonhos de infância, resistimos à adolescência e saímos da juventude inteiros para a vida. E que vida, e que voltas não imaginadas.
Talvez esteja a entrar no estágio anterior à velhice e o que vivi na primeira parte da vida situe esta terceira num lugar de consciência e paz quando a comparo com uma memória que não é nítida, não é fílmica, mas é de sensações, flash desconexos, como os sonhos.
Que alegria em recordar um amigo que me transmitia paz e que me fazia sentir vista, que alegria recordar uma amiga que me emprestava livros e que sendo mais velha, bonita e com quem aprendia pelo espanto, representava o que desejava ser num futuro que não acreditava que acontecesse. Aconteceu.
Sinto-me profundamente grata pelas memórias que agora construo, baseadas em factos reais. Pela escola cheia de luz e portas que davam para a rua, em cujas salas, alguém reparava que me sentava à frente com uma atenção mais madura que a idade.
Pela estação rodoviária de bancos de madeira castanha polida, cheiro a tubo de escape e de altifalantes fanhosos onde me cruzava com duas irmãs altas, uma loura e outra morena, que apanhando o mesmo autocarro, me faziam companhia com sorrisos e curiosidades literárias.