As teorias, os grupos, as tribos, as estéticas, os pensamentos, as línguas, os tempos (...) têm palavras que os caracterizam. As palavras são como as roupas, vestem-nos... Dizem o que somos, mesmo que umas vezes não queiram dizer nada. Visto-me para ir à festa ou visto-me com as palavras "capacitação e empoderamento" se estou numa ONGD e por aí a fora, do "shanty shanty" colorido a cheirar a incenso, às tatuagens celtas que povoam um universo negro e introspectivo com cheiro a erva. É certo que as palavras são cheias de sinónimos e pesos diferentes e por isso, tal como a roupa, não são absolutos e estão sempre sujeitas à moda.
Por exemplo, a expressão comum a todos os coachs do mundo é a bela utopia de "a minha melhor versão". Não consegues falar "coaches" se não usares no sítio certo a expressão "melhor versão". É inteligente a utilização destas palavras, reconheço isso. Pessoalmente cansa-me.
Por exemplo, a expressão comum a todos os coachs do mundo é a bela utopia de "a minha melhor versão". Não consegues falar "coaches" se não usares no sítio certo a expressão "melhor versão". É inteligente a utilização destas palavras, reconheço isso. Pessoalmente cansa-me.
Repete-se continuamente e a todo o custo que "a minha melhor versão" depende de mim, do meu esforço, do meu investimento, do meu umbigo. Sou totalmente responsável por tudo e o meu mundo resume-se à minha força, vontade e responsabilidade. Nem discuto isto. Só sei que me cansa.
Estas palavras deixam de fazer sentido para mim principalmente depois da dúzia de horas que juntam estes dois dias, em que a gratidão e o espanto foram o motor para uma palavra que me é mais querida, luminosa, preciosa e ajustada.
A palavra do momento é inspiração.
Estar ao lado do Flora Gomes e ouvi-lo na sua simplicidade, acolhimento, inteireza e grandeza interior; ouvir o Mú Mbana, na sua pacifica melancolia que transmite respeito e ligação por um passado que se honra e nos constrói; sonhar com espaços onde a beleza, a reflexão, a alegria e a surpresa, possam ser acessíveis a todos os que desejam sonhar; amar quem termina uma mítica corrida na esperança de que "o inferno nos pode levar ao céu"; ouvir ELA do álbum Língua Franca deitada na solidão do meu querido sábado...
Menos de doze horas que me enchem de esperança no mundo e nas pessoas, ou melhor, no mundo que podemos (nós pessoas) construir, não só com as nossas melhores versões, mas com tudo o que somos. Um mundo que podemos construir inspirando-nos, conscientes das nossas contradições, idiossincrasias, incoerências e desconhecimentos...
Quando saio de um bailado saio sonhando ser bailarina e danço, por dentro, durante dias aqueles movimentos. Quem me vende o bilhete não imagina que não compro um lugar para me sentar naquele momento, compro a possibilidade de aquele espectáculo ter lugar em mim durante alguns dias.
Umas horas como estas ficarão em mim durante alguns dias a inspirar-me a vida, o olhar e o caminho... Sem esforço, só com abertura e leveza, como passos de bailarina em palco. Na certeza que depois disto passar a Vida me vai oferecer gratuitamente outro bilhete, e eu e Ela sorriremos uma para a outra exactamente pelo mesmo motivo. A isto eu chamo um maravilhoso presente. Obrigada.