A igreja é uma instituição plural e desejavelmente diversa,
mesmo que as pessoas por sobrevivência, se tendam a agregar por afinidades e
denominadores comuns que não ponham em causa o que conhecemos dentro e fora de
nós. É esse o perigo de todos os grupos, a homogeneização que ao mesmo tempo é
necessária à paz, à unidade, ao sentido de pertença e a uma horizontalidade que condena, ou se assusta, com a disrupção do diferente.
Deixemos as naturais contradições humanas que nunca
ultrapassaremos nesta dimensão e natureza, para as quais ajuda imaginar o olhar
de Deus e ver em cada um a partícula do mistério encarnado, que somos.
O facto é que a igreja foi em muito tempo conivente e aliada
de um regime ditatorial fiel a Salazar e ao poder instituído. Não há volta a
dar.
Facto é também que em 1958 o Bispo de Porto (D. António
Ferreira Gomes) escreveu uma carta a Salazar a reportar algum mal-estar pela
situação, dando voz a uma consciência que emergia, nomeadamente em grupos da Ação
Católica.
Começava a crescer o desconforto em relação à guerra
colonial.... Tardiamente digo eu agora, sem argumentos para falar da oportunidade
dos tempos da história.
Entre 62 e 65 do século passado viveu-se o Concílio Vaticano
II e a maioria dos católicos em Portugal nem souberam o que isso significava,
como não souberam do impacto das cheias em Lisboa em 1967, nas quais morreram
mais de 700 pessoas. Controlar a comunicação é uma forma de controlar os cidadãos
e de os manter amorfos.
Neste contexto, um grupo de intelectuais, de pessoas com visões
mais alargadas, poder económico, conhecimentos e contactos encontrou na igreja
um espaço de segurança e partilha, nunca sem isenção de risco. Era um grupo de
católicos aos quais se chamou de progressistas e que estiveram na origem do
Centro Nacional de Cultura em 1945.
Em outubro de 1965, foi redigido O Manifesto «101 católicos
contra a política colonial da ditadura». O manifesto com 101 assinaturas de católicos
progressistas alertava para a necessidade da democracia, falava sobre a polícia
política e sobre a autodeterminação dos povos em África.
No site do Museu de Aljube pode ler-se a propósito do
manifesto: “Nele congregaram figuras como Alçada Baptista, António Barbedo de
Magalhães, Francisco Lino Neto, Helena Cidade Moura, João Benard da Costa, Ruy
Belo, Sophia de Melo-Breyner, Pedro Tamen e Nuno Teotónio Pereira. Este
manifesto teve um enorme impacto na vida política do país, não só pelo apoio
declarado à oposição por setores católicos, como a denúncia declarada a Salazar
e ao regime.” Atrevo-me a acrescentar que colocou a igreja no local certo.
Não nos podemos esquecer que em dezembro de 1972, na Capela
do Rato, a PIDE interrompe um protesto silencioso contra a guerra colonial
(comunicado pelas brigadas revolucionárias), leva para interrogatório mais de
50 pessoas, algumas das quais acabam presas em Caxias.
Não sei se consigo imaginar o que seria ser católico naquela
altura e mais ainda pertencer aquele grupo, somos hoje uma igreja demasiado acomodada
para correr riscos. Ouço os testemunhos de Maria de Lourdes Pintassilgo e
alegro-me com esta ideia de mulher e de justiça que nos serve de inspiração e
que ainda almejamos.
Para lá do papel assistencialista que se ajusta a um espaço
de acolhimento sem celeumas, que não pergunta nem discorda, há um outro papel que
a Igreja deve chamar para si e que parecendo paradoxal não o vejo contraditório.
É necessário continuar a perguntar porquê, é necessário levantar a voz contra as
guerras, mesmo as que matam apenas os filhos de outros, é necessário acolher e
defender o pensamento livre e crítico, o acesso às artes e a filosofia, o bem
comum que acolhe a diversidade do amor que respeita a diferença.
Urge dizer não
a qualquer recrudescimento fascista, machista ou castradoramente conservador. Não
havendo uma verdade única, há a certeza de que se a igreja católica perde os seus
elementos progressistas perde o seu lugar no presente. O progresso acontece hoje.